Albert Einstein recebe biografia que o consagra como o maior gênio do século(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", na edição de 13 e 14 de maio de 1995)“Foi a pessoa mais livre que conheci”. Assim se resume a personalidade de Albert Einstein na visão de Abraham Pais em “Sutil é o senhor...” (editora Nova Fronteira), biografia do maior gênio do século que traça um panorama detalhado a vida desse autêntico cidadão do mundo, com quem o autor conviveu durante nove anos. O título do livro foi tirado de uma frase de Einstein a respeito da sabedoria divina.
Nascido na Alemanha, naturalizado suíço e “adotado” pelos EUA, Einstein veio de um ambiente familiar aprazível da pequena cidade alemã de Ulm. Dali ele sairia para revolucionar a Física em suas bases mais profundas e conquistar respeito e admiração no mundo todo.
Dois problemas atormentavam os cientistas no início do século: a realidade molecular e a base molecular da física estatística. O primeiro derivava da preocupação dos físicos em provar a realidade de átomos e moléculas – tese discutida desde meados do século XIX. O outro, bem mais complexo, consistia em relacionar o possível movimento molecular com conceitos básicos da física, como pressão e atmosfera.
O autor parte dessas acirradas discussões para traçar um detalhado panorama da fértil atividade científica de Einstein, seja através de artigos, fórmulas, ou mesmo frases do genial cientista: “A natureza nos mostra apenas a cauda do leão. Mas não duvido de que o leão exista, mesmo que não possa revelar-se imediatamente por causa do enorme tamanho”, afirmava o “gênio sutil do século” a respeito do próprio esforço.
Foi em busca do “leão” que ele iniciou seus trabalhos sobre física estatística em 1901-1902, com o artigo “Termodinâmica das superfícies líquidas e da eletrólise”, quando procurava um suporte experimental para a hipótese da existência das forças moleculares. Desse período até 1925, publica diversos artigos sobre temas originais, como a deflexão da luz, movimento browniano e relatividade restrita. Todos esses trabalhos serviram de ensaio para a conclusão da estrutura da teoria da relatividade geral, em 1915 – o auge de sua carreira. Um período de revolução na física, quando a ordem existente foi subvertida ao máximo.
Nobel indiretoO difícil e complexo caminho para a teoria da relatividade geral foi iniciado em 1907, quando Einstein descobriu o princípio da equivalência: “O pensamento mais feliz da minha vida”. Essa teoria comprovou de vez que todos os corpos caem com a mesma aceleração no campo gravitacional. A famosa fórmula E=mc2, base da teoria da relatividade geral, seria o grande impulso para o desenvolvimento científico no século XX, inclusive para os estudos sobre energia atômica. Apesar de revolucionária, a teoria não causou de início o impacto que deveria. O próprio Einstein afirmou, com certa mágoa, no ano em que a formulou: “Creio que o caminho escolhido é, em princípio, o mais correto, e que mais tarde as pessoas se espantarão com a grande resistência que a idéia da relatividade geral está encontrando atualmente.”
Não foi à toa que ele só ganharia o Prêmio Nobel de Física em 1922 e, mesmo assim, não pela relatividade, mas “por seus serviços à física teórica e, em especial, pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico.”
Por falar em Nobel, vale a pena citar um registro curioso: em 22 de maio de 1925, Einstein propôs o Prêmio Nobel da Paz para o brasileiro Cândido Rondon. Entusiasmado com o trabalho do marechal em “ajustar as tribos indígenas ao mundo civilizado sem o recurso a armas ou coação”, ele diria que o explorador brasileiro era um homem altamente merecedor de ganhar o prêmio. Não ganhou, mas teve uma indicação de peso.
Embora a maior parte do livro trate das descobertas científicas de Einstein, um rigoroso estudo de fórmulas – item por item – Abraham Pais não esquece o lado “menos científico” do físico, a vida familiar, a convicção religiosa e a luta pela paz.
Desde o seu nascimento em Ulm, em 1879, até a morte nos EUA, em 1955, o autor também mostra o lado mais ameno de Einstein, longe das complexas fórmulas e teorias que o tornaram famoso. O lado de artista, por exemplo: “Seu talento para a língua alemã só é colocado em plano secundário pelo seu dom para a ciência”, afirma Pais, referindo-se às suas rimas e prosas encantadoras.
O gênio também adorava música. Tocava violino muito bem, principalmente Mozart, Bach e Vivaldi. Na arte visual, preferia os velhos mestres. O garoto que aos 10 anos lia Kant e aos 12 “o livro sagrado de geometria” revelaria ainda muitas facetas desconhecidas.
O “senhor de seu próprio destino”, como afirma Pais, se manifesta em profundas convicções religiosas: “A ciência sem a religião é imperfeita, a religião sem a ciência é cega”. A religiosidade expressa na frase não era, porém, do tipo convencional, com ritos e cerimônias peculiares. Einstein simplesmente acreditava que o religioso é devoto quando não tem dúvidas sobre o significado das realidades e objetivos que o transcendem, “os quais não necessitam, nem são suscetíveis de fundamentação racional.”
Casado duas vezes, suas opiniões sobre o casamento também ganham espaço no livro em lançamento. Quando estava casado com a segunda esposa, Elsa, alguém lhe perguntou se fumava pelo prazer de fumar ou apenas para desentupir e voltar a encher o cachimbo. “Meu objetivo é fumar, mas, como resultado, receio que as coisas tendam a entupir. A vida também é como o ato de fumar, especialmente o casamento”, respondeu.
Einstein emprestou muitas vezes seu nome a declarações pacifistas – a primeira vez em 1914, início da I Guerra Mundial. Seis anos depois, após o assassinato de um colega, o físico Walther Rathenau, então ministro das Relações Exteriores da Alemanha no conturbado período entre-guerras, afirmou: “Não é possível alguém ser idealista quando se vive num reino de fantasia.”
Mágoa com alemãesEm 1939, às vésperas da II Guerra Mundial, Einstein enviou uma carta ao presidente Roosevelt, dos EUA, alertando sobre as implicações militares da energia atômica. Quatro anos depois, ele era consultor da Marinha norte-americana e ironizou: “Estou na Marinha, mas não me exigiram que cortasse o cabelo à marinheiro.”
Uma grande mágoa atormentou o judeu Einstein. “Depois de os alemães terem massacrado meus irmãos judeus na Europa, já nada mais tenho a fazer com os alemães”. Desiludido após o uso da bomba atômica, quando afirmou que as antiquadas idéias políticas chegaram ao fim, expressou seu ceticismo com uma frase simples. “Ganhamos a guerra, mas não a paz”.
Diversos físicos dividem espaço na biografia. Ele próprio reconhecia como seus predecessores Newton, Maxwell, Mach, Planck e Lorentz. Sobre Lorentz, afirmou que sem sua ajuda não teria condições de formular a teoria da relatividade restrita. Sobre Newton, resumiu a admiração numa única frase: “Afortunado Newton, feliz infância da ciência”.
Colaborador assíduo de Einstein, Marcel Grossman foi seu colega de estudos e mais tarde o indicaria para o primeiro emprego, numa repartição de patentes em Berna. Chegaram a publicar um artigo juntos, em 1913, que, segundo Abraham Pais, “contém uma percepção física profunda do problema da medida, algumas equações corretas da relatividade geral, algum raciocínio imperfeito e uma notação confusa.” Quando Grossman morreu, em 1936, Einstein lembrou o primeiro emprego conseguido pelo amigo, “sem o qual não teria morrido, mas poderia ter-me desperdiçado espiritualmente.”
O autor cita conversas que teve com Einstein, em que ele expressava sua veneração por Planck, o descobridor da teoria quântica. Em 1918, Einstein propôs Planck para o Prêmio Nobel e disse, a respeito da teoria. “Esta descoberta criou um novo objetivo para a ciência de encontrar uma nova base conceitual para toda a física.”
Einstein também manteve contato com outro importante físico da época: Werner Heisenberg, um dos fundadores da teoria da mecânica ondulatória. Chegou a indicá-lo, junto com E. Schödinger, para o Prêmio Nobel de Física, em 1931: “Esta teoria contém, sem dúvida, uma peça da verdade última”, declarou. Heinsenberg ganhou o Nobel em 1932 e Schrödinger no ano seguinte.
Nas últimas décadas de vida, Einstein se dedicou a formular uma teoria do campo unificado, ou seja, a unificação da gravitação com outras forças fundamentais. Ou, como diria a manchete do N.Y. Times, em 1949: “Einstein oferece uma nova teoria para unificar a lei do cosmos”. Não conseguiu, mas seus esforços não foram em vão. Deixou subsídios importantes para que a ciência caminhe em busca da grande unificação das forças fundamentais da natureza. Como o próprio Einstein sentenciou, ainda em 1901:“Apenas a experiência pode decidir sobre a verdade”.