domingo, 27 de janeiro de 2008

UMA TRAGÉDIA QUE ABALOU O RIO


Escritor conta história do navio que se partiu na Baía de Guanabara

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", na edição de 20 e 21 de janeiro de 1995)

A "Tragédia do Magdalena" (Litteris Editora) é um desses livros cujo melhor destino seria a tela de um cinema. Escrita pelo médico e mergulhador Elísio Gomes Filho, um apaixonado pelo mar, a obra relata com fortes ingredientes dramáticos o naufrágio do transatlântico britânico Magdalena, que se partiu em dois na entrada da Baía de Guanabara, em abril de 1949.

Através de minuciosa pesquisa histórica, feita através de fotos, documentos e jornais da época, dá para imaginar os inúteis e dramáticos esforços para se salvar um dos orgulhos da Marinha Britânica, que afundou por completo em sua viagem inaugural e deixou como única vítima a tão decantada tradição marítima britânica.

A trágica história do Magdalena é comparada pelo autor ao famoso desastre do Titanic, ocorrido em 1912. Produzidos no mesmo estaleiro, os dois navios compartilham outros dados idênticos, como o profundo rombo que seus naufrágios causaram aos cofres britânicos.

Números, nomes e lugares são utilizados à exaustão pelo autor, que procura fazer da precisão histórica uma das tônicas do livro. Sem se ater apenas ao naufrágio e a todos os curiosos fatos que o envolveram, ele traça um minucioso painel da história da navegação, toda a sua evolução, os principais desastres e as origens da forte tradição marítica britânica.

O livro, porém, não é indicado apenas para quem come bolachas duras e sabe a diferença entre bombordo e estibordo. Até mesmo aqueles que sentem enjôo só de pensar no balanço do mar, são capazes de "deitarem âncora" nesse relato histórico. Embora surja, vez ou outra, um detalhamento técnico excessivo, Elísio não deixa de prender a atenção do leitor até a última página. O que não parece ser tão complicado, já que o naufrágio do Magdalena é repleto de fatos curiosos e instigantes.

O acidente do Magdalena foi uma das grandes notícias do ano, numa época em que o rádio era a principal atração doméstica dos brasileiros e o carioca, "além dos campos de futebol, distraía-se nos cinemas, atraído pelas comédias musicais - as chanchadas".

Os trechos retirados dos periódicos da época servem para se imaginar o impacto causado pelo acidente. O "Diário de Notícias" relatava o significado da tragédia: "Representava o aniquilamento de um ser vivo, algo como um ser jovem, colhido pela morte na sua primeira projeção sobre om undo". Como se vê, apesar de um certo romantismo que ainda imperava nas páginas de então, a emoção que tomou conta do naufrágio persiste até hoje, na memória dos que viveram de perto ou na vontade de quem pesquisou a fundo o calvário do Magdalena.

sábado, 26 de janeiro de 2008

VIDA INTELIGENTE NA LITERATURA INFANTIL


(Publicado no caderno “Tribuna Bis”, do jornal “Tribuna da imprensa”, em 13 de dezembro de 1995)
Fica difícil imaginar que o Brasil é o tal “país do futuro” com tanta bobagem empurrada às novas gerações. Quando o público infanto-juvenil recebe enfim uma obra de qualidade, como o livro “Pink-viagem ao submundo mágico”, de José Louzeiro, fica-se imaginando o belo dia em que a “indigestão cultural” vai ter fim no país – antes que tudo vire uma diarréia crônica.

José Louzeiro é mais conhecido por seus livros policiais de linguagem barra-pesada, como o romance-reportagem “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, ou o roteiro do filme “Pixote – a lei do mais fraco”. Daí não se poderia esperar, em sua incursão pela literatura infanto-juvenil, um livrinho açucarado e de linguagem pré-escolar.

A história do garoto de classe média Pedrinho, que um belo dia perde seu cachorro de estimação Pink, poderia se restringir facilmente aos limites da Zona Sul carioca e ficar por isso mesmo. Mas o autor busca o tal algo mais, e por isso transcende as fronteiras sociais e leva o garoto de classe média até a Baixada Fluminense, onde um mundo totalmente novo se descortina na visão do menino criado à base de sucrilhos e pão-de-ló.

Pedrinho, aliás, é culto e bem-educado. Ao invés de agir como um legítimo representante da geração vidiota – que passa horas e mais horas em frente às mais diversas telinhas – o personagem de José Louzeiro adora ler, principalmente Simenon e Rubem Fonseca. Isso faz dele não apenas o personagem principal da trama, mas também um observador atento e crítico de tudo que se passa sem sua volta.

Ingredientes típicos de histórias infantis, como os cães-robôs ou o misterioso Doutor Osgood, surgem no meio da história, acompanhados de acidentes com surfistas ferroviários, Aids, futebol e crianças seminuas que se mexem em calçadas empoeiradas da Baixada. Essa atraente e bem dosada mistura de cenários e estilos é acrescida da experiência jornalística do autor, manifestada numa linguagem objetiva com farta documentação de ruas e trajetos.

A caracterização dos personagens se faz sentir nos diálogos. “Leva uns lero...requebra pra nóis...não esquenta”, a típica e estilizada linguagem popular, que tanto pode ser a do malandro dos morros ou do delegado com medalha de São Jorge e camisa aberta. Personagens que Louzeiro conhece tão bem de outros carnavais – e não hesita em colocar no caminho de Pedrinho.

A mendiga que acompanha o pai e mãe de Pedrinho na Baixada está longe de fazer o papel de fada-madrinha. Em dado momento, exprime o que pensa da vida. “Embora mendiga, aprendi com meu marido Manolo: quem tem dinheiro, tem razão!” Dá para perceber que o autor evita qualquer tipo de paternalismo nesses esporádicos contatos entre ricos e pobres, mostrando claramente o que cada um pensa, seja o rancor acumulado da mendiga Zefa ou o preconceito mal-disfarçado de Alfredo, pai de Pedrinho.

Já a esposa de Alfredo, Marta, dá a síntese de um dos personagens mais importantes do livro: Jenipapo. “Baseio-me no fato de que as pessoas simples é que são corretas. Não agem de forma oportunista como muitos, inclusive nós”. Essa opinião vai ao encontro das atitudes generosas de Jenipapo, pobre, bêbado, sem nada na vida, mas que ganha uma dignidade do tamanho de sua miséria.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A LUTA INCESSANTE PELA JUSTIÇA


Nelson Mandela mostra um país em busca da igualdade racial

(Publicado no caderno “Tribuna Bis”, do jornal “Tribuna da Imprensa”, edição de seis de setembro de 1995)

A autobiografia “Longo Caminho Para a Liberdade” mostra que Nelson Mandela joga em um time muito especial. Do goleiro ao ponta-esquerda, há nomes de peso: Mahatma Ghandi, Mão Tse Tung, Fidel Castro...todos identificados por um fato comum. Por meios e caminhos diferentes, mudaram as histórias de seus países. Se a África do Sul ainda não é um paraíso racial (e qual país é?), já está bem distante do inferno que era há algumas décadas. E Nelson Mandela, sem dúvida, é um dos maiores responsáveis por isso.

“A bondade do homem é uma chama que pode ser apagada, mas nunca se extingue”. Pensamento tão fraterno – quem diria – nasceu de um homem com nome de encrenqueiro: Rolihlahla, recebido por Mandela no dialeto dos xhosa (tribo onde nasceu, em 1918).

Na escola, Rolihlala virou Nelson Mandela, pois as leis sul-africanas não reconheciam os nomes adotados pelas tribos. Ele próprio, aliás, diria a respeito dos costumes ancestrais pregados pela vida tribal, tão diferentes dos hábitos que iria adquirir depois: “Os homens seguem o caminho estabelecido para si pelos pais e as mulheres levam uma vida igual à que a mãe havia levado”. Com certeza, Mandela levou uma vida bem diferente da de seu pai, que era uma espécie de conselheiro e morreu quando Mandela tinha nove anos.

Toda a sua vida, que preenche as 507 páginas do livro, é narrada com riqueza de detalhes e de forma cronológica, sem perder o ritmo da história. E um detalhe. Seu texto poderia servir de inspiração a muitos historiadores, já que permeia a riqueza de dados com frases de efeito e muitas historinhas curiosas.

Numa delas, lembra quando estudava Direito por correspondência e trabalhava num escritório em Alexandra, próximo a Johannesburgo. Para economizar dinheiro, que andava curto, usou o mesmo terno durante cinco anos. No fim, como ele mesmo afirma, “havia mais remendos do que terno”.

Para trabalhar fora, Mandela fugiu de casa aos 18 anos, descontente com o rígido sistema de normas tribais, embora levasse uma vida relativamente tranqüila. Seu primeiro contato com o capitalismo opressor do país foi em Johannesburgo, quando conheceu as minas de Crown.

A presença de mão de obra barata, representada por milhares de negros submissos, atingiu Mandela em cheio. Os negros trabalhavam quase de graça, sem nenhum direito, e faziam a riqueza dos proprietários brancos das mineradoras. Tanta opressão resultaria na greve de 70 mil mineiros em 1946, o primeiro grande movimento organizado dos negros sul-africanos e acompanhado de perto por Mandela.

Um dos pontos mais interessantes do livro é o que trata da criação do tão famigerado apartheid – um vigoroso sistema opressor de leis e regulamentos racistas – pelo ultra-reacionário Partido Nacionalista, nas eleições gerais de 1948. Eleições entre aspas, é claro, já que os negros não votavam.

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", edição de 12 de julho de 1995)

É muita desgraça para um personagem só. Em seu terceiro livro, "O corpo humano", lançado recentemente pela editora Rocco, o escritor e jornalista Luciano Trigo consegue transformar num verdadeiro inferno a vida de Raul, um carioca de 34 anos, separado e que leva uma vida um pouco acima da monotonia geral. De repente, crises pessoais e pequenas tragédias inundam a trama, aliadas a uma constante inquietação com os destinos do corpo, principalmente o de Raul - vítima infeliz de atitudes e situações impensadas.

"...o corpo é sempre inocente. E, no entanto, é sempre ele quem paga". Essa preocupação acompanha toda a história, assim como diversas opiniões do protagonista sobre os mais variados assuntos. Tanto pode ser um comentário a respeito de algum livro ou filme, uma divagação sobre violência social, ou então um comentário sobre a vida do grande mágico Harry Houdini, maior ídolo de Raul.

Raul é o típico representante de uma geração que não tem muito com o que lutar. Compara a época da ditadura, quando as pessoas ainda tinham algum ideal, um sonho, com os jovens de hoje. "Esses rapazes e moças que buscam nervosamente preencher o seu vazio existencial com grifes da moda e festinhas em casarões: são felizes? Acho que não".

A desilusão do protagonista se intensifica com a tragédia pessoal que o invade. Perde a namorada, o emprego, tem a filha seqüestrada, o carro roubado e o gás cortado. Além disso, fica quase cego. Isso depois de perder todos os documentos. Após essa "overdose" de pequenas catástrofes, a única solução possível é descobrir a fórmula da invisibilidade de Harry Houdini.

Se a única solução possível parece fugir à razão, o próprio Raul a justifica: "a certeza é uma coisa relativa". Essa e outras frases servem de pausa em meio ao ritmo frenético com que Raul se mete em confusões. Ao tomar conta da filha, certo dia, descobre que "todo bebê é uma verdadeira usina de cocô". E também descobre, num dia em que sua ex-sogra bate à porta, que ela é "possivelmente a única coisa que existe no mundo pior que uma sogra".

Centrado no pequeno universo da Zona Sul carioca, "O Corpo Humano" consegue transcender seus limites geográficos e atinge em cheio o coração de uma geração. Uma geração saída de uma ditadura e que ainda não se encontrou, não se refletiu no espelho dos anos. Ou, como diria o próprio protagonista: "Se o regime militar valeu por algum motivo, foi por ter dado a uma geração uma razão para viver".

O ESCRITOR DIVIDIDO ENTRE AS DUAS METADES DA MAÇÃ



(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", na edição de 23 de junho de 1995)


É difícil escrever sobre a poesia de Silviano Santiago. No posfácio de seu último livro, “Cheiro forte” (Rocco), ele adverte: “(...) a crítica, no melhor dos casos, acerta, sempre se equivocando”. Diante dessa verdadeira sentença de morte para o que quer que se escreva sobre sua obra, não há outro jeito a não ser equivocar-se diante do estilo preciso de Silviano – que diz muito menos do que esconde.

Os objetos, as palavras, quase tudo perde sua função “normal” dentro do texto. Abandonam a roupagem original e assumem um lado nada usual – menos objetivo e mais poético. “Antes de dormir – a roupa dependurada nos cabines do armário ainda vai vestir o corpo que viaja amanhã?”

Em seu 14º livro – o terceiro de poesia – o autor registra não apenas o momento da ação, mas principalmente os caminhos tortuosos que levam a ela. Isto se observa seja na solidariedade construída com palavras ríspidas ou no “previsto no imprevisto dos dois que se chocam”.

O que fazer entre as duas metades da maçã cortada ao meio? “Salto ou não salto?”, pergunta. A dúvida também o persegue ao abrir o jornal e ver o papa repreender um padre ajoelhado na Nicarágua. “Quero compreender. Não sei se o gesto do papa, ou a expressão dedo em riste”.

Na última poesia – a maior de todas – a morte surge não apenas como imagem poética, mas sim como referência objetiva a um fato verídico: o acidente ocorrido com o Césio em Goiânia, que provocou mortes e seqüelas em várias pessoas. A beleza da luz brilhante do material radioativo – abandonado num ferro-velho – e que atraiu principalmente crianças, é compartilhada pelo poeta. “Compartilho a morte pela beleza – não seremos todos?”

A SUTILEZA DO LEÃO QUÂNTICO


Albert Einstein recebe biografia que o consagra como o maior gênio do século

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", na edição de 13 e 14 de maio de 1995)

“Foi a pessoa mais livre que conheci”. Assim se resume a personalidade de Albert Einstein na visão de Abraham Pais em “Sutil é o senhor...” (editora Nova Fronteira), biografia do maior gênio do século que traça um panorama detalhado a vida desse autêntico cidadão do mundo, com quem o autor conviveu durante nove anos. O título do livro foi tirado de uma frase de Einstein a respeito da sabedoria divina.

Nascido na Alemanha, naturalizado suíço e “adotado” pelos EUA, Einstein veio de um ambiente familiar aprazível da pequena cidade alemã de Ulm. Dali ele sairia para revolucionar a Física em suas bases mais profundas e conquistar respeito e admiração no mundo todo.

Dois problemas atormentavam os cientistas no início do século: a realidade molecular e a base molecular da física estatística. O primeiro derivava da preocupação dos físicos em provar a realidade de átomos e moléculas – tese discutida desde meados do século XIX. O outro, bem mais complexo, consistia em relacionar o possível movimento molecular com conceitos básicos da física, como pressão e atmosfera.

O autor parte dessas acirradas discussões para traçar um detalhado panorama da fértil atividade científica de Einstein, seja através de artigos, fórmulas, ou mesmo frases do genial cientista: “A natureza nos mostra apenas a cauda do leão. Mas não duvido de que o leão exista, mesmo que não possa revelar-se imediatamente por causa do enorme tamanho”, afirmava o “gênio sutil do século” a respeito do próprio esforço.

Foi em busca do “leão” que ele iniciou seus trabalhos sobre física estatística em 1901-1902, com o artigo “Termodinâmica das superfícies líquidas e da eletrólise”, quando procurava um suporte experimental para a hipótese da existência das forças moleculares. Desse período até 1925, publica diversos artigos sobre temas originais, como a deflexão da luz, movimento browniano e relatividade restrita. Todos esses trabalhos serviram de ensaio para a conclusão da estrutura da teoria da relatividade geral, em 1915 – o auge de sua carreira. Um período de revolução na física, quando a ordem existente foi subvertida ao máximo.

Nobel indireto

O difícil e complexo caminho para a teoria da relatividade geral foi iniciado em 1907, quando Einstein descobriu o princípio da equivalência: “O pensamento mais feliz da minha vida”. Essa teoria comprovou de vez que todos os corpos caem com a mesma aceleração no campo gravitacional. A famosa fórmula E=mc2, base da teoria da relatividade geral, seria o grande impulso para o desenvolvimento científico no século XX, inclusive para os estudos sobre energia atômica. Apesar de revolucionária, a teoria não causou de início o impacto que deveria. O próprio Einstein afirmou, com certa mágoa, no ano em que a formulou: “Creio que o caminho escolhido é, em princípio, o mais correto, e que mais tarde as pessoas se espantarão com a grande resistência que a idéia da relatividade geral está encontrando atualmente.”

Não foi à toa que ele só ganharia o Prêmio Nobel de Física em 1922 e, mesmo assim, não pela relatividade, mas “por seus serviços à física teórica e, em especial, pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico.”

Por falar em Nobel, vale a pena citar um registro curioso: em 22 de maio de 1925, Einstein propôs o Prêmio Nobel da Paz para o brasileiro Cândido Rondon. Entusiasmado com o trabalho do marechal em “ajustar as tribos indígenas ao mundo civilizado sem o recurso a armas ou coação”, ele diria que o explorador brasileiro era um homem altamente merecedor de ganhar o prêmio. Não ganhou, mas teve uma indicação de peso.

Embora a maior parte do livro trate das descobertas científicas de Einstein, um rigoroso estudo de fórmulas – item por item – Abraham Pais não esquece o lado “menos científico” do físico, a vida familiar, a convicção religiosa e a luta pela paz.

Desde o seu nascimento em Ulm, em 1879, até a morte nos EUA, em 1955, o autor também mostra o lado mais ameno de Einstein, longe das complexas fórmulas e teorias que o tornaram famoso. O lado de artista, por exemplo: “Seu talento para a língua alemã só é colocado em plano secundário pelo seu dom para a ciência”, afirma Pais, referindo-se às suas rimas e prosas encantadoras.


O gênio também adorava música. Tocava violino muito bem, principalmente Mozart, Bach e Vivaldi. Na arte visual, preferia os velhos mestres. O garoto que aos 10 anos lia Kant e aos 12 “o livro sagrado de geometria” revelaria ainda muitas facetas desconhecidas.

O “senhor de seu próprio destino”, como afirma Pais, se manifesta em profundas convicções religiosas: “A ciência sem a religião é imperfeita, a religião sem a ciência é cega”. A religiosidade expressa na frase não era, porém, do tipo convencional, com ritos e cerimônias peculiares. Einstein simplesmente acreditava que o religioso é devoto quando não tem dúvidas sobre o significado das realidades e objetivos que o transcendem, “os quais não necessitam, nem são suscetíveis de fundamentação racional.”

Casado duas vezes, suas opiniões sobre o casamento também ganham espaço no livro em lançamento. Quando estava casado com a segunda esposa, Elsa, alguém lhe perguntou se fumava pelo prazer de fumar ou apenas para desentupir e voltar a encher o cachimbo. “Meu objetivo é fumar, mas, como resultado, receio que as coisas tendam a entupir. A vida também é como o ato de fumar, especialmente o casamento”, respondeu.

Einstein emprestou muitas vezes seu nome a declarações pacifistas – a primeira vez em 1914, início da I Guerra Mundial. Seis anos depois, após o assassinato de um colega, o físico Walther Rathenau, então ministro das Relações Exteriores da Alemanha no conturbado período entre-guerras, afirmou: “Não é possível alguém ser idealista quando se vive num reino de fantasia.”

Mágoa com alemães

Em 1939, às vésperas da II Guerra Mundial, Einstein enviou uma carta ao presidente Roosevelt, dos EUA, alertando sobre as implicações militares da energia atômica. Quatro anos depois, ele era consultor da Marinha norte-americana e ironizou: “Estou na Marinha, mas não me exigiram que cortasse o cabelo à marinheiro.”

Uma grande mágoa atormentou o judeu Einstein. “Depois de os alemães terem massacrado meus irmãos judeus na Europa, já nada mais tenho a fazer com os alemães”. Desiludido após o uso da bomba atômica, quando afirmou que as antiquadas idéias políticas chegaram ao fim, expressou seu ceticismo com uma frase simples. “Ganhamos a guerra, mas não a paz”.

Diversos físicos dividem espaço na biografia. Ele próprio reconhecia como seus predecessores Newton, Maxwell, Mach, Planck e Lorentz. Sobre Lorentz, afirmou que sem sua ajuda não teria condições de formular a teoria da relatividade restrita. Sobre Newton, resumiu a admiração numa única frase: “Afortunado Newton, feliz infância da ciência”.

Colaborador assíduo de Einstein, Marcel Grossman foi seu colega de estudos e mais tarde o indicaria para o primeiro emprego, numa repartição de patentes em Berna. Chegaram a publicar um artigo juntos, em 1913, que, segundo Abraham Pais, “contém uma percepção física profunda do problema da medida, algumas equações corretas da relatividade geral, algum raciocínio imperfeito e uma notação confusa.” Quando Grossman morreu, em 1936, Einstein lembrou o primeiro emprego conseguido pelo amigo, “sem o qual não teria morrido, mas poderia ter-me desperdiçado espiritualmente.”

O autor cita conversas que teve com Einstein, em que ele expressava sua veneração por Planck, o descobridor da teoria quântica. Em 1918, Einstein propôs Planck para o Prêmio Nobel e disse, a respeito da teoria. “Esta descoberta criou um novo objetivo para a ciência de encontrar uma nova base conceitual para toda a física.”

Einstein também manteve contato com outro importante físico da época: Werner Heisenberg, um dos fundadores da teoria da mecânica ondulatória. Chegou a indicá-lo, junto com E. Schödinger, para o Prêmio Nobel de Física, em 1931: “Esta teoria contém, sem dúvida, uma peça da verdade última”, declarou. Heinsenberg ganhou o Nobel em 1932 e Schrödinger no ano seguinte.

Nas últimas décadas de vida, Einstein se dedicou a formular uma teoria do campo unificado, ou seja, a unificação da gravitação com outras forças fundamentais. Ou, como diria a manchete do N.Y. Times, em 1949: “Einstein oferece uma nova teoria para unificar a lei do cosmos”. Não conseguiu, mas seus esforços não foram em vão. Deixou subsídios importantes para que a ciência caminhe em busca da grande unificação das forças fundamentais da natureza. Como o próprio Einstein sentenciou, ainda em 1901:“Apenas a experiência pode decidir sobre a verdade”.

HISTÓRIAS NO PAÍS DAS MULAS


Jornalista traça painel do desenvolvimento econômico do Brasil

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", em 26 de abril de 1995)

Um relato da História do Brasil, tão fiel quanto irônico. O livro "Pau de tinta" (editora Revan), do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis, traça um painel preciso do desenvolvimento econômico do país, desde a exploração do pau de tinta - o famoso pau-brasil - até fatos mais recentes, como a implantação da indústria automobilística e a construção da Usina de Itaipu.

O autor ameniza o rigor da pesquisa histórica com detalhes curiosos, como a proibição da utilização de burros e mulas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro no século XVIII pelo rei Dom José I, de Portugal. Sua Majestade alegava que os cavalos seriam superiores nas montarias e transportes de carga e determinou "que todos os burros e mulas introduzidos naquela região fossem confiscados e mortos, pagando-se a metade de seu valor aos denunciantes", como atestava a carta-régia.

Almeida Reis reúne e enriquece trechos da História que ficam à margem dos livros didáticos - a maioria limitados ao bê-a-bá de fatos e datas - com comentários realistas e comparativos, que remetem a situações ocorridas há alguns séculos como noticiário do último telejornal.

Não há como não comparar o fato de que escravos das minas de Diamantina, no início do século XVIII, engoliam pedras de diamante para desviá-las dos vigias, com os traficantes atuais, que engolem bolsas de plástico com cocaína para escapar da Alfândega.

As afirmações pessimistas a respeito do futuro do automóvel, feitas há um século atrás, são colocadas no texto de forma bem ilustrativa, e nos remetem ao tempo em que a tecnologia apenas engatinhava em quase todos os setores. Temia-se, graças ao respaldo do laudo técnico de um instituto alemão, a morte de qualquer passageiro de um veículo que alcançasse a "espantosa" velocidade de 30 Km/h!

Situações engraçadas, e muitas ridículas, surgem no texto ágil e leve de Almeida Reis através de transcrições fiéis de documentos, cartas ou reportagens em jornais, sempre realçadas pela opinião bem-humorada do autor, que se coloca no papel de um observador atento a tudo que o cerca - crítico voraz na máquina do tempo.

Esses trechos funcionam como parada obrigatória dentro da profusão de fatos e nomes que se seguem; um "refresco" que o autor nos oferece em meio a um minucioso trabalho de investigação histórica.

Todos os fatos marcantes do desenvolvimento do país são lembrados: a exploração do pau-brasil, a descoberta do outro, as primeiras estradas de ferro, luz elétrica, carros, hidrelétricas, índios, escravos, industriais, nobres, corruptos. Tudo se mistura em um caldeirão que ferve ate hoje, tal a identificação inevitável com os erros e acertos do passado.

Vírus da corrupção

O escritor mostra claramente - sem precisar sem didático - a importância do estudo da História do Brasil para os brasileiros, "balela" sempre repetida mas nunca compreendida por 90% de nossos alunos. Não por culpa deles, mas principalmente de uma política educacional que relega o estudo da História a um plano secundário, limitado ao "decoreba" do tipo "quem descobriu o Brasil? Quando?"

O que parece óbvio, mas poucos admitem, é que o Brasil de hoje é conseqüência direta de seu conturbado passado. Almeida Reis demonstra isso com uma clareza incomum em livros históricos. Mudam os hábitos, costumes, desenvolve-se o país, mas certos vírus se impregnam no corpo da nação sem que se descubra um remédio eficaz para eliminá-los.

É certo que agora não se levam mais 9h para atravessar a Baía de Guanabara - como ocorreu ao naturalista inglês Charles Bunbury, em 1833 - mas se contrabandeiam pedras preciosas aos montes, assim como no início do século XVIII o ouro e o diamante brasileiros eram levados para a Europa. O próprio Bunbury profetizava em suas andanças pelo Brasil "que nunca viu um país mais apropriado às façanhas dos bandidos".

Roubo por roubo, o autor menciona que há bem pouco tempo os livros escolares bolivianos traziam na capa o mapa do país. Até aí nada demais. Exceto que o deserto do Atacama era indicado pela frase "quitado por Chile e o Acre "quitado por Brasil. Resta dizer que quitado em espanhol significa furtado.

Essa questão territorial Brasil-Bolívia é citada quando se fala da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século. Iniciada em 1907 e concluída cinco anos depois, ela se estendia de Porto Velho, atual capital de Rondônia, até Guajará Mirim, num percurso de 364 quilômetros.

O historiador ressalta a construção da ferrovia como um exemplo das dificuldades que uma obra desse porte acarreta, atravessando regiões inóspitas e repletas de doenças nos confins do país. Calcula-se que pelo menos um trabalhador morreu a cada 58 metros da empreitada.

Embora Almeida Reis mencione a importância da Madeira-Mamoré e do Barão de Mauá, o pioneiro na construção de ferrovias no país, ele não nega que o Brasil é um país de rodovias, muito mal conservadas, é certo, mas este é, basicamente, seu principal meio de transporte. Apenas 30% dos trilhos brasileiros estão em boas condições de uso e, 164 anos depois do primeiro trem correr na Inglaterra, há ferrovias nordestinas em que a velocidade das composições não ultrapassa a dos carros de bois, sob risco de descarrilamento.

As estórias e folclores envolvendo trens pelo Brasil afora dariam outro livro, sem dúvida. Mas nesses tempos de reforma previdenciária, vale mesmo a pena é citar um dos muitos casos que "Pau de tinta" conta: o do homem que se aposentou pela E.F. Central do Brasil aos 30 anos de idade, gozando de perfeita saúde física e mental.

Consta que um funcionário da Central alugou os serviços de um burro à ferrovia. Não tendo como receber o pagamento mensal em nome do animal, registrou o aluguel em nome do filho, recém-nascido, e mais tarde contratado pela Central. Ao completar 30 anos de idade, o funcionário tinha 30 anos de carteira assinada. E, como está no livro, "fez valer seus direitos trabalhistas, que ninguém é de ferro."

O HUMOR NEGRO DE UM FANTASMA


O arredio escritor Campos de Carvalho tem sua obra reunida após três décadas

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", em sete de abril de 1995.)

"Tenho vontade de sair gritando aleluia pelo Rio Vermelho afora", revela um eufórico Jorge Amado ao saber do lançamento de "Obra reunida". E não é para menos. Este livro abrange os quatro romances de Campos de Carvalho, um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea.

É claro, muitos vão torcer o nariz: "Campos de Carvalho?" Afinal, após 30 anos sem publicar nada, o escritor mineiro, nascido em 1916, é hoje um ilustre desconhecido para uma geração inteira, "fora das montras das livrarias", como ressalta Jorge Amado no prefácio da obra.

Para preencher essa lacuna, o livro - que será lançado pela José Olympio na próxima segunda-feira - reúne "A lua vem da Ásia" (1956), "Vaca de nariz sutil (1961), "A chuva imóvel (1963) e O púcaro búlgaro (1964), quatro histórias que renovaram a literatura brasileira, trazendo à tona um estilo requintado, fluente e recheado de humor fino e mordaz.

Atualmente, o escritor e jornalista Campos de Carvalho - que trabalhou em O Estado de São Paulo e colaborou com O Pasquim - vive em São Paulo com a esposa, como procurador aposentado. Durante três décadas teve seus textos divulgados apenas entre leitores fiéis, através de cópias. Porém, por motivos de saúde, como ele mesmo diz, parou de escrever. Uma pena.

Já no primeiro romance, "A lua vem da Ásia", percebe-se o estilo original e vigoroso do autor, pontuado pela narração em primeira pessoa das observações do personagem Astrogildo, quarto nome de quem se chamou Adílson, Heitor e Ruy Barbo. Astrogildo acredita que vive em um hotel, depois pensa que é um campo de concentração. Por fim, reconhece que está mesmo em um hospício.

Órfão de mãe viva

"Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa - e qual defesa seria mais legítima?", pergunta o personagem logo no início do texto. A falta de lógica acompanha a vida e as lembranças de Astrogildo por todos os lugares em que imagina ter passado: Paris, Portugal, Sumatra, Nova Iorque e muitos outros. Até em Cochabamba, onde ganha um concurso para coveiro - com contrato para dois anos e direito a dormir no cemitério. Perde o emprego logo depois, por violar as sepulturas.

O personagem convive com os tipos mais inusitados, como o artista de cinema Heliodoro Papanatas, o príncipe Danilo e sua mãe, a qual não reconhece. Assim, a vende, por três milhões de florins, ao estudante Vinícius. "E com isso fiquei sendo o único órfão do mundo que ainda tem mãe viva".

As situações absurdas que Astrogildo vive, porém, realçam aspectos profundos de frieza e indiferença, tão comuns entre as pessoas. A imaginação fértil do louco se confunde com a própria realidade e suas pressões diárias e sufocantes.

A falta de liberdade - realçada por muros altos e choques elétricos - se alia à desconfiança irresoluta de tudo e de todos, até de si mesmo. As letras irônicas e sutis de Campos de Carvalho às vezes escondem uma realidade febril, que permeia a vida do personagem e deságua em seu suicídio, resultado da obsessão voraz pela morte. "A morte de um mosquito é tão importante quanto a minha própria morte, digo isso sem falsa modéstia". A frase está na seção necrolófica da Times, única pessoa com quem mantinha contato - embora jamais obtivesse resposta.

Como bem frisa no início do livro o estudioso de Campos de Carvalho, Carlos Felipe Moisés, "seus romances não formam propriamente uma tetralogia, mas guardam entre si alguns pontos de contato". Entre os quais, a narração em primeira pessoa e a ironia machadiana, que reaparecem em "Vaca de nariz sutil", através de frases bem construídas, tão inteligentes quanto imprevistas. "Meu companheiro tem, quando menos, a virtude da discrição: não fora ele surdo-mudo".

Imprevistos, aliás, são os momentos por que passa o personagem principal, um ex-combatente que vive com um surdo-mudo e passa a história questionando a vida e suas nuances.

As situações vividas por ele são realçadas por uma filosofia que reflete bem seu estado de profunda amargura diante de uma existência angustiante. "Um homem só, ou vira anarquista, ou vira louco. Louco não vira, já é."

A construção das frases, no texto de Campos de Carvalho, é resultado de um minucioso trabalho, feito com tanto requinte que a leitura é interrompida diversas vezes por frases que dão o que pensar. "Pago a pensão com a pensão que o Estado me paga pelo meu estado". Embora a perturbação moral do ex-combatente seja flagrante desde o início, esses admiráveis trechos filosóficos nos colocam em perfeita identidade com o personagem.

Como no livro anterior, o autor não faz uma dicotomia pura e simples, do tipo: normais de um lado, anormais do outro. Certos valores se confundem, numa mistura perplexa e envolvente. "Eu estava bêbado, portanto lúcido". Os constantes atritos do ex-combatente com o ambiente que o cerca servem de pano de fundo para questionamentos mais amplos, como a negação completa de instituições e condutas ditas normais. "Como é difícil falar com essa gente, parece que falam uma linguagem que eles mesmos não entendem."

Campos de Carvalho também usa a narrativa em primeira pessoa nos dois últimos romances. Em "A chuva imóvel", o humor ferino - dominante nas duas primeiras histórias - cede lugar a uma morbidez ostensiva. A morte novamente entra em cena quando o personagem principal, André Medeiros, perde o irmão e o pai. Passa então a manter uma relação quase incestuosa com a irmã gêmea, Andréa.

Por isso odeia o chefe, também marido de Andréa. "A verdade é que já nascemos órfãos, todos. Mas isso eu não digo". Uma crise existencial constante toma conta de Medeiros, que entende a vida como um fardo pesado, um permanente atrito consigo mesmo - a vítima mais fraca que encontrou. "Este mau cheiro é meu, trago-o comigo, sempre o trouxe."

Uma divagação em torno do nada, do vazio que abarca todo o sentido da vida. E qual o sentido? No caminho tortuoso de Medeiros, a vida se resume no inconformismo, apenas à espera da morte. Que apesar de tudo não elimina por completo a lucidez permanente do personagem. "Mesmo morto, continuarei dando meu testemunho de morto."

No último livro, "O púcaro búlgaro", a dedicatória diz tudo. Os homenageados são aqueles que "tentaram ou conseguiram atingir as regiões mais inatingíveis deste ou qualquer outro planeta." Regiões como a Atlântida, a Melanésia, o mar Cáspio e...as embocaduras do Fellatio e do Cunnilingus.

"O púcaro búlgaro"


Por aí se percebe o retorno do humor, característica marcante nos dois primeiros livros e relegado, no terceiro, a um clima bem mais soturno. Nesse último romance, o enredo é tão absurdo quanto envolvente é o texto. A história do sujeito que tenta descobrir se a Bulgária existe tem origem numa explicação necessária. "Se a Bulgária existe, então a cidade de Sófia terá que fatalmente existir."

A partir dessa constatação "fundamental" para a compreensão da história, o romance se desenvolve em torno do grupo que planeja a tão almejada viagem - que inclui inclusive um professor especializado em bulgarologia.

Os conhecimentos do professor são tão amplos que o autor, assumindo o papel de personagem, lhe interroga com questão profundas: "Professor, e como se explica que num bairro como Copacabana, onde há as mulheres mais lindas do mundo, dêem tantos veados?"

Do início ao fim, frases hilariantes e situações às vezes grotescas compõem a atmosfera de "O púcaro búlgaro". Até mesmo quando o sonho da heróica aventura termina numa rodada de pôquer. Talvez São Prepúcio, padroeiro dos bulgarólogos - conforme afirma o texto - não tenha dado a ajuda necessária.