sábado, 26 de janeiro de 2008

VIDA INTELIGENTE NA LITERATURA INFANTIL


(Publicado no caderno “Tribuna Bis”, do jornal “Tribuna da imprensa”, em 13 de dezembro de 1995)
Fica difícil imaginar que o Brasil é o tal “país do futuro” com tanta bobagem empurrada às novas gerações. Quando o público infanto-juvenil recebe enfim uma obra de qualidade, como o livro “Pink-viagem ao submundo mágico”, de José Louzeiro, fica-se imaginando o belo dia em que a “indigestão cultural” vai ter fim no país – antes que tudo vire uma diarréia crônica.

José Louzeiro é mais conhecido por seus livros policiais de linguagem barra-pesada, como o romance-reportagem “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, ou o roteiro do filme “Pixote – a lei do mais fraco”. Daí não se poderia esperar, em sua incursão pela literatura infanto-juvenil, um livrinho açucarado e de linguagem pré-escolar.

A história do garoto de classe média Pedrinho, que um belo dia perde seu cachorro de estimação Pink, poderia se restringir facilmente aos limites da Zona Sul carioca e ficar por isso mesmo. Mas o autor busca o tal algo mais, e por isso transcende as fronteiras sociais e leva o garoto de classe média até a Baixada Fluminense, onde um mundo totalmente novo se descortina na visão do menino criado à base de sucrilhos e pão-de-ló.

Pedrinho, aliás, é culto e bem-educado. Ao invés de agir como um legítimo representante da geração vidiota – que passa horas e mais horas em frente às mais diversas telinhas – o personagem de José Louzeiro adora ler, principalmente Simenon e Rubem Fonseca. Isso faz dele não apenas o personagem principal da trama, mas também um observador atento e crítico de tudo que se passa sem sua volta.

Ingredientes típicos de histórias infantis, como os cães-robôs ou o misterioso Doutor Osgood, surgem no meio da história, acompanhados de acidentes com surfistas ferroviários, Aids, futebol e crianças seminuas que se mexem em calçadas empoeiradas da Baixada. Essa atraente e bem dosada mistura de cenários e estilos é acrescida da experiência jornalística do autor, manifestada numa linguagem objetiva com farta documentação de ruas e trajetos.

A caracterização dos personagens se faz sentir nos diálogos. “Leva uns lero...requebra pra nóis...não esquenta”, a típica e estilizada linguagem popular, que tanto pode ser a do malandro dos morros ou do delegado com medalha de São Jorge e camisa aberta. Personagens que Louzeiro conhece tão bem de outros carnavais – e não hesita em colocar no caminho de Pedrinho.

A mendiga que acompanha o pai e mãe de Pedrinho na Baixada está longe de fazer o papel de fada-madrinha. Em dado momento, exprime o que pensa da vida. “Embora mendiga, aprendi com meu marido Manolo: quem tem dinheiro, tem razão!” Dá para perceber que o autor evita qualquer tipo de paternalismo nesses esporádicos contatos entre ricos e pobres, mostrando claramente o que cada um pensa, seja o rancor acumulado da mendiga Zefa ou o preconceito mal-disfarçado de Alfredo, pai de Pedrinho.

Já a esposa de Alfredo, Marta, dá a síntese de um dos personagens mais importantes do livro: Jenipapo. “Baseio-me no fato de que as pessoas simples é que são corretas. Não agem de forma oportunista como muitos, inclusive nós”. Essa opinião vai ao encontro das atitudes generosas de Jenipapo, pobre, bêbado, sem nada na vida, mas que ganha uma dignidade do tamanho de sua miséria.

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