HISTÓRIAS NO PAÍS DAS MULAS
Jornalista traça painel do desenvolvimento econômico do Brasil
(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", em 26 de abril de 1995)
Um relato da História do Brasil, tão fiel quanto irônico. O livro "Pau de tinta" (editora Revan), do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis, traça um painel preciso do desenvolvimento econômico do país, desde a exploração do pau de tinta - o famoso pau-brasil - até fatos mais recentes, como a implantação da indústria automobilística e a construção da Usina de Itaipu.
O autor ameniza o rigor da pesquisa histórica com detalhes curiosos, como a proibição da utilização de burros e mulas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro no século XVIII pelo rei Dom José I, de Portugal. Sua Majestade alegava que os cavalos seriam superiores nas montarias e transportes de carga e determinou "que todos os burros e mulas introduzidos naquela região fossem confiscados e mortos, pagando-se a metade de seu valor aos denunciantes", como atestava a carta-régia.
Almeida Reis reúne e enriquece trechos da História que ficam à margem dos livros didáticos - a maioria limitados ao bê-a-bá de fatos e datas - com comentários realistas e comparativos, que remetem a situações ocorridas há alguns séculos como noticiário do último telejornal.
Não há como não comparar o fato de que escravos das minas de Diamantina, no início do século XVIII, engoliam pedras de diamante para desviá-las dos vigias, com os traficantes atuais, que engolem bolsas de plástico com cocaína para escapar da Alfândega.
As afirmações pessimistas a respeito do futuro do automóvel, feitas há um século atrás, são colocadas no texto de forma bem ilustrativa, e nos remetem ao tempo em que a tecnologia apenas engatinhava em quase todos os setores. Temia-se, graças ao respaldo do laudo técnico de um instituto alemão, a morte de qualquer passageiro de um veículo que alcançasse a "espantosa" velocidade de 30 Km/h!
Situações engraçadas, e muitas ridículas, surgem no texto ágil e leve de Almeida Reis através de transcrições fiéis de documentos, cartas ou reportagens em jornais, sempre realçadas pela opinião bem-humorada do autor, que se coloca no papel de um observador atento a tudo que o cerca - crítico voraz na máquina do tempo.
Esses trechos funcionam como parada obrigatória dentro da profusão de fatos e nomes que se seguem; um "refresco" que o autor nos oferece em meio a um minucioso trabalho de investigação histórica.
Todos os fatos marcantes do desenvolvimento do país são lembrados: a exploração do pau-brasil, a descoberta do outro, as primeiras estradas de ferro, luz elétrica, carros, hidrelétricas, índios, escravos, industriais, nobres, corruptos. Tudo se mistura em um caldeirão que ferve ate hoje, tal a identificação inevitável com os erros e acertos do passado.
Vírus da corrupção
O escritor mostra claramente - sem precisar sem didático - a importância do estudo da História do Brasil para os brasileiros, "balela" sempre repetida mas nunca compreendida por 90% de nossos alunos. Não por culpa deles, mas principalmente de uma política educacional que relega o estudo da História a um plano secundário, limitado ao "decoreba" do tipo "quem descobriu o Brasil? Quando?"
O que parece óbvio, mas poucos admitem, é que o Brasil de hoje é conseqüência direta de seu conturbado passado. Almeida Reis demonstra isso com uma clareza incomum em livros históricos. Mudam os hábitos, costumes, desenvolve-se o país, mas certos vírus se impregnam no corpo da nação sem que se descubra um remédio eficaz para eliminá-los.
É certo que agora não se levam mais 9h para atravessar a Baía de Guanabara - como ocorreu ao naturalista inglês Charles Bunbury, em 1833 - mas se contrabandeiam pedras preciosas aos montes, assim como no início do século XVIII o ouro e o diamante brasileiros eram levados para a Europa. O próprio Bunbury profetizava em suas andanças pelo Brasil "que nunca viu um país mais apropriado às façanhas dos bandidos".
Roubo por roubo, o autor menciona que há bem pouco tempo os livros escolares bolivianos traziam na capa o mapa do país. Até aí nada demais. Exceto que o deserto do Atacama era indicado pela frase "quitado por Chile e o Acre "quitado por Brasil. Resta dizer que quitado em espanhol significa furtado.
Essa questão territorial Brasil-Bolívia é citada quando se fala da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século. Iniciada em 1907 e concluída cinco anos depois, ela se estendia de Porto Velho, atual capital de Rondônia, até Guajará Mirim, num percurso de 364 quilômetros.
O historiador ressalta a construção da ferrovia como um exemplo das dificuldades que uma obra desse porte acarreta, atravessando regiões inóspitas e repletas de doenças nos confins do país. Calcula-se que pelo menos um trabalhador morreu a cada 58 metros da empreitada.
Embora Almeida Reis mencione a importância da Madeira-Mamoré e do Barão de Mauá, o pioneiro na construção de ferrovias no país, ele não nega que o Brasil é um país de rodovias, muito mal conservadas, é certo, mas este é, basicamente, seu principal meio de transporte. Apenas 30% dos trilhos brasileiros estão em boas condições de uso e, 164 anos depois do primeiro trem correr na Inglaterra, há ferrovias nordestinas em que a velocidade das composições não ultrapassa a dos carros de bois, sob risco de descarrilamento.
As estórias e folclores envolvendo trens pelo Brasil afora dariam outro livro, sem dúvida. Mas nesses tempos de reforma previdenciária, vale mesmo a pena é citar um dos muitos casos que "Pau de tinta" conta: o do homem que se aposentou pela E.F. Central do Brasil aos 30 anos de idade, gozando de perfeita saúde física e mental.
Consta que um funcionário da Central alugou os serviços de um burro à ferrovia. Não tendo como receber o pagamento mensal em nome do animal, registrou o aluguel em nome do filho, recém-nascido, e mais tarde contratado pela Central. Ao completar 30 anos de idade, o funcionário tinha 30 anos de carteira assinada. E, como está no livro, "fez valer seus direitos trabalhistas, que ninguém é de ferro."
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