sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM

(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", edição de 12 de julho de 1995)

É muita desgraça para um personagem só. Em seu terceiro livro, "O corpo humano", lançado recentemente pela editora Rocco, o escritor e jornalista Luciano Trigo consegue transformar num verdadeiro inferno a vida de Raul, um carioca de 34 anos, separado e que leva uma vida um pouco acima da monotonia geral. De repente, crises pessoais e pequenas tragédias inundam a trama, aliadas a uma constante inquietação com os destinos do corpo, principalmente o de Raul - vítima infeliz de atitudes e situações impensadas.

"...o corpo é sempre inocente. E, no entanto, é sempre ele quem paga". Essa preocupação acompanha toda a história, assim como diversas opiniões do protagonista sobre os mais variados assuntos. Tanto pode ser um comentário a respeito de algum livro ou filme, uma divagação sobre violência social, ou então um comentário sobre a vida do grande mágico Harry Houdini, maior ídolo de Raul.

Raul é o típico representante de uma geração que não tem muito com o que lutar. Compara a época da ditadura, quando as pessoas ainda tinham algum ideal, um sonho, com os jovens de hoje. "Esses rapazes e moças que buscam nervosamente preencher o seu vazio existencial com grifes da moda e festinhas em casarões: são felizes? Acho que não".

A desilusão do protagonista se intensifica com a tragédia pessoal que o invade. Perde a namorada, o emprego, tem a filha seqüestrada, o carro roubado e o gás cortado. Além disso, fica quase cego. Isso depois de perder todos os documentos. Após essa "overdose" de pequenas catástrofes, a única solução possível é descobrir a fórmula da invisibilidade de Harry Houdini.

Se a única solução possível parece fugir à razão, o próprio Raul a justifica: "a certeza é uma coisa relativa". Essa e outras frases servem de pausa em meio ao ritmo frenético com que Raul se mete em confusões. Ao tomar conta da filha, certo dia, descobre que "todo bebê é uma verdadeira usina de cocô". E também descobre, num dia em que sua ex-sogra bate à porta, que ela é "possivelmente a única coisa que existe no mundo pior que uma sogra".

Centrado no pequeno universo da Zona Sul carioca, "O Corpo Humano" consegue transcender seus limites geográficos e atinge em cheio o coração de uma geração. Uma geração saída de uma ditadura e que ainda não se encontrou, não se refletiu no espelho dos anos. Ou, como diria o próprio protagonista: "Se o regime militar valeu por algum motivo, foi por ter dado a uma geração uma razão para viver".

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