sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

O ESCRITOR DIVIDIDO ENTRE AS DUAS METADES DA MAÇÃ



(Publicado no caderno "Tribuna Bis", do jornal "Tribuna da Imprensa", na edição de 23 de junho de 1995)


É difícil escrever sobre a poesia de Silviano Santiago. No posfácio de seu último livro, “Cheiro forte” (Rocco), ele adverte: “(...) a crítica, no melhor dos casos, acerta, sempre se equivocando”. Diante dessa verdadeira sentença de morte para o que quer que se escreva sobre sua obra, não há outro jeito a não ser equivocar-se diante do estilo preciso de Silviano – que diz muito menos do que esconde.

Os objetos, as palavras, quase tudo perde sua função “normal” dentro do texto. Abandonam a roupagem original e assumem um lado nada usual – menos objetivo e mais poético. “Antes de dormir – a roupa dependurada nos cabines do armário ainda vai vestir o corpo que viaja amanhã?”

Em seu 14º livro – o terceiro de poesia – o autor registra não apenas o momento da ação, mas principalmente os caminhos tortuosos que levam a ela. Isto se observa seja na solidariedade construída com palavras ríspidas ou no “previsto no imprevisto dos dois que se chocam”.

O que fazer entre as duas metades da maçã cortada ao meio? “Salto ou não salto?”, pergunta. A dúvida também o persegue ao abrir o jornal e ver o papa repreender um padre ajoelhado na Nicarágua. “Quero compreender. Não sei se o gesto do papa, ou a expressão dedo em riste”.

Na última poesia – a maior de todas – a morte surge não apenas como imagem poética, mas sim como referência objetiva a um fato verídico: o acidente ocorrido com o Césio em Goiânia, que provocou mortes e seqüelas em várias pessoas. A beleza da luz brilhante do material radioativo – abandonado num ferro-velho – e que atraiu principalmente crianças, é compartilhada pelo poeta. “Compartilho a morte pela beleza – não seremos todos?”

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