Rio Noir - (coletânea de contos
editada por Tony Belloto) - Casa da Palavra - 304 páginas.
"Rio
Noir" é a versão carioca de uma série de livros de sucesso nos Estados
Unidos, publicada pela editora Akashic Books e que reúne contos noir de
escritores do gênero (ou não) ambientados em alguma cidade escolhida para
aquela edição. Como a ideia deu muito certo, a editora ampliou a coleção para
cidades de outros países, como esta que traz a cidade do Rio de Janeiro como
cenário - a primeira publicada no Brasil, feita em parceria com a Casa da
Palavra e organizada por Tony Belloto, músico do grupo Titãs e já bastante
experiente no tema com seus livros protagonizados pelo detetive Remo Bellini.
A
literatura noir teve seu auge nos Estados Unidos em meados do século
passado, graças a autores como Raymond Chandler, Dashiell Hammett (do clássico
"O falcão maltês") e James Ellroy e se caracterizou principalmente
por fugir ao padrão da trama policial comum, onde os personagens são muito bem demarcados.
No ambiente noir, o clima é outro, há humor, há crítica política e
comportamental, os detetives são durões, mas sensíveis, gostam de jazz, boa
literatura e bons restaurantes, seus auxiliares costumam ser pitorescos e
muitas vezes "roubam a cena". As mulheres são sensuais e determinadas
(geralmente louras) e os diálogos ágeis e muito bem escritos. Sem contar,
obviamente, o clima sombrio, com muito nevoeiro e becos escuros (noir
significa preto, em francês). Um fã do gênero é o cineasta Quentin Tarantino,
que no filme Pulp Fiction fez uma homenagem ao livro e filme noir, inclusive no
título, já que pulp fiction era o tipo de publicação inicial da literatura noir,
feita em formato de bolso, com papel barato e que poderia ser vendida em tudo
que era lugar.
Para
transportar a literatura noir ao Rio de Janeiro, foram convidados 15 autores,
alguns já dominando o gênero da literatura policial, como Luiz Alfredo
Garcia-Roza, o próprio Tony Belloto e o jovem Raphael Montes, sucesso de vendas
com seus romances "Dias perfeitos" e "Suicidas", além de
nomes conhecidos na imprensa carioca, como Arnaldo Bloch, Arthur Dapieve e
Guilherme Fiúza (que afirmou nunca ter escrito um conto antes deste livro), e
autores importantes da literatura contemporânea, como Adriana Lisboa e Flávio
Carneiro. Não poderia faltar, é claro, Luis Fernando Verissimo, criador do
impagável detetive Ed Mort e que ambienta seu conto no bairro de Bangu, onde um
duplo assassinato ocorre ao lado de um manuscrito de poesias intitulado "A
hora das sombras compridas": "Uma das poucas coisas no apartamento
que não estavam respingadas de sangue".
O
resultado é muito bom, com os autores criando suas histórias exatamente em cima
do contraste entre as belezas naturais da cidade e a tão decantada
hospitalidade dos cariocas e seu espírito festivo com o que se esconde (ou nem
tanto) neste "purgatório da beleza e do caos", como já cantou
Fernanda Abreu.
Assim,
cartões-postais consagrados da cidade surgem como cenários de situações que
nenhuma agência de turismo iria publicar em "folders" promocionais,
como o dedo que a personagem criada por Victoria Saramago encontra numa
caminhada na Floresta da Tijuca ("Ponto Cego"), o corpo caído no
Morro do Corcovado, com direito a um típico nevoeiro noir ("Táxi
argentino", de Arthur Dapieve), o famoso litoral da zona sul esquadrinhado
por um gigolô disposto a observar "as burguesinhas do Leblon, as bichas da
Farme, as gringas de Copacabana e as coroas cachorras do Leme"
("Coroas saradas", de Tony Belloto), e mesmo o canibal da Rua Canning,
um coronel reformado do Exército que acreditava estar curado de certos hábitos
("Canibal de Ipanema", de Alexandre Fraga, que além de escritor é
policial federal).
Embora
o tráfico de drogas esteja ligado a boa parte dos crimes no Rio, poucos autores
o utilizam em suas histórias. O que sobressai mesmo é o clima noir das
histórias e suas referências, seja no caso de Adriana Lisboa, que em "O
enforcado", história passada no Largo do Machado, nos lembra "A
cartomante", um dos grandes contos do mestre Machado de Assis, ou Flávio
Carneiro, que em "A espera", narra uma história sem nenhuma cena de
violência, mas cheia de deduções criativas e interessantes do Gordo, dono de um
sebo na Rua do Lavradio e que ajuda um detetive amigo seu a investigar o homem que
segue todo dia uma funcionária do setor de Obras Raras da Biblioteca Nacional e
fica parado encostado num poste, jornal embaixo do braço, em frente ao prédio
dela. Mais noir, impossível.
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