(Publicado no caderno "Prosa", do jornal "O Globo", em 27 de dezembro de 2014)
Escritos sobre espaço e História - Maurício de Almeida Abreu (organizado por Fania Fridman e Rogério Haesbaert - 464 páginas
O geógrafo Mauricio de Almeida Abreu é lembrado principalmente por dois livros clássicos, “Evolução urbana do Rio de Janeiro” e “Geografia histórica do Rio de Janeiro”, este último uma obra que levou 15 anos de pesquisa e foi concluída em 2011, mesmo ano da morte do autor. Uma grande contribuição ao estudo deste importante intelectual brasileiro é dada agora, com a reunião de nove artigos seus que estavam espalhados em outras publicações, trabalho organizado pelos professores Rogério Haesbaert e Fania Fridman.
Os artigos são variados, com um amplo espaço dedicado ao desenvolvimento do estudo da geografia no Brasil no século XX. O autor enfatiza a marcante influência da geografia francesa, passando pela criação da Associação dos Geógrafos Brasileiros e do Conselho Nacional de Geografia, nos anos 1930 (década em que foi implantado o curso superior de Geografia), e a consolidação da profissão com as assembleias gerais da AGB, nas quais havia um espaço prioritário para o trabalho de campo, o “motor principal da pesquisa geográfica” e ponto de partida para as primeiras teses importantes da disciplina no Brasil.
OLHAR SOBRE O PASSADO
Abreu também esclarece no artigo “Sobre a memória das cidades” o que chamou de “ditadura do presente”, que durante muito tempo estabeleceu de forma arbitrária que à Geografia coubesse apenas analisar o presente, enquanto as dimensões temporais e históricas do espaço seriam função apenas da História. “Não há lei proibindo, e nada impede que a geografia estude o passado”. Para o autor, a busca da identidade dos lugares são, principalmente, uma busca de suas raízes, de seu passado, que pode se dar pelos vestígios materiais (construções da época ou aspectos da natureza) e nas instituições de memória (museus, bibliotecas etc).
No livro, percebemos como foi árduo o trabalho de diversos teóricos para tornar a Geografia uma disciplina autônoma, já que no início vários aspectos de seu estudo eram conflitantes com ramos da História, das Ciências Sociais e da Ecologia Humana. A influência do neopositivismo e a criação do IBGE deram à Geografia um papel importante nos sistemas de planejamento nacional instalados a partir do golpe militar de 1964, embora, a partir da abertura política, nos fins da década de 1970, o pensamento crítico em relação ao modo de produção capitalista e suas consequentes tensões sociais ganhasse cada vez mais espaço nas universidades. “A luta pela apropriação da terra urbana pelas camadas mais pobres da sociedade também despertou o interesse dos geógrafos críticos, levando-os inclusive a participar, de forma engajada, desse processo”, escreve.
Um capítulo indispensável a quem estuda a organização fundiária do Brasil desde a colonização é “A apropriação do território no Brasil colonial”, no qual Abreu dá uma aula sobre como se deu a distribuição de terras no Brasil, mostrando a ligação entre Estado e Igreja Católica neste processo, com a Coroa Portuguesa e a Ordem de Cristo exercendo o “domínio temporal e espiritual” das terras conquistadas além mar. Além disso, há uma série de definições bem precisas sobre palavras e expressões presentes na pesquisa como vila, arraial, termo, fogos, sesmarias, correição etc.
Em outro capítulo, “Pensando a cidade do Brasil no passado”, o autor questiona Sérgio Buarque de Holanda, que, assim como muitos pensadores da formação do Brasil, não viam nenhum método no surgimento das cidades pela administração portuguesa, o oposto do que ocorria na América Espanhola. “Ao contrário do que afirmou Sérgio Buarque de Holanda, muitas cidades brasileiras, dentre elas o Rio de Janeiro, foram decididamente um produto mental dos portugueses”. O Rio de Janeiro, aliás, tema de seu livro mais conhecido, merece destaque em outros capítulos, em temas como o abastecimento de água e a iluminação desde o período colonial, assim como a questão da habitação, sempre com reflexões instigantes e contestatórias. Como a maioria dos artigos foi publicada nos anos 1980 e 1990, fica uma frustração por não podermos discutir com ele a questão das UPPs nas favelas ou o aumento da inclusão social, por exemplo.
O livro é indicado mesmo para leigos, pois devido ao caráter detalhista dos trabalhos de Abreu, tudo é explicado, sem contar a qualidade e a leveza de seu texto (um erro a ser corrigido numa segunda edição é a repetição de um parágrafo inteiro nas páginas 403 e 405). No final, temos uma bela homenagem ao grande geógrafo Milton Santos, morto em 2001, com quem Mauricio Abreu trabalhou na UFRJ e por quem nutria a mais profunda admiração.
*André Luis Mansur é jornalista e escritor, autor de “Fragmentos do Rio Antigo”
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/livros/anotacoes-de-mauricio-de-almeida-abreu-sobre-sobre-espaco-historia-no-brasil-14911282#ixzz3Nr65L34a
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