ZÉ LINS E O APRENDIZADO DA ESCRITA
Ligeiros traços - Escritos da juventude, de José Lins do Rego. Organização de César Braga-Pinto. Editora José Olympuo, 304 páginas. R$ 35
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 12 de janeiro de 2008)
Obra com textos da juventude do autor mostra a evolução de seu estilo
Livros póstumos de escritos da juventude costumam ter duas características básicas: são úteis para se entender o processo de formação do escritor, mas ao mesmo tempo trazem muitos textos de pouco valor literário. É o que acontece neste livro organizado por César Braga-Pinto sobre os primeiros escritos de José Luis do Rego publicados entre 1919 e 1924, época em que o futuro autor de “Menino de engenho”, que em setembro completou 50 anos de morto, tinha entre 18 e 23 anos.
O livro é dividido em três blocos. No primeiro, são os artigos escritos por Zé Lins (que também está sendo homenageado no excelente documentário “O engenho de Zé Lins”, de Vladimir Carvalho) com 18 anos em jornais como a “Folha de Recife” e o “Diário do Estado”. Depois, quando já estava na Faculdade de Direito de Recife, entre 1920 e 1923, e por fim os artigos para a revista paraibana “Era Nova”, estes bem mais amadurecidos.
A linguagem empolada do primeiro bloco contrasta fortemente com a dos outros dois, e principalmente com as suas obras da fase adulta, quando o autor desenvolveu uma prosa simples e envolvente, baseada na memória e bastante descritiva de personagens típicos do nordeste do ciclo da cana de açúcar. Apesar dos temas não ajudarem muito, já que muitas vezes são bastante locais ou enfadonhos, já dá para perceber, aqui e ali, um pouco da dimensão que aquele garoto, ainda um pouco panfletário e virulento nas suas críticas, alcançaria.
A virulência, aliás, é freqüente nos textos. Entre as vítimas de Zé Lins está uma turma que faz parte do cânone literário deste país, como Euclides da Cunha, Aluísio de Azevedo e o grupo da Semana de arte moderna, de 1922, para ele um conjunto de “originalidades fáceis a custo de escândalo e ignorância”, responsável pela fundação do “pedantismo intelectual brasileiro”.
É interessante notar que em comparação aos paulistas de 1922, José Lins do Rego ressalta a importância do movimento modernista do Rio de Janeiro, que ultimamente vem sendo lembrado por pesquisadores e que nas crônicas do autor paraibano aparece muito bem representado no movimento “Árvore nova”, liderado por Tasso da Silveira e Rocha de Andrade.
Por outro lado, não há como negar o excesso de conservadorismo da maioria dos textos, traduzido na busca constante pela ordem e no apego à tradição, características que seriam ampliadas na amizade com o seu mestre Gilberto Freyre, e também um certo tom reacionário, como na crônica “A Paraíba e seus problemas”, quando escreve que Castro Alves “se gastou em apiedar-se de negros robustos que estavam tão bem nos servindo na escravidão”.
Quando diminui os excessos, Zé Lins é capaz de revelar-se um cronista em fase de amadurecimento, defendendo teses interessantes e passeando por temas distantes mas bem alinhavados num texto enxuto. Embora haja às vezes excesso de citações, comum em quem está começando a publicar em jornais, o autor desenvolve suas próprias opiniões com autoridade e bastante segurança, não hesitando em mudar de opinião com o tempo, como acontece com Coelho Neto e Rui Barbosa, que passa de “Davi imaginoso que tece hinos de glória ao trabalho nobilitante” (ainda no tom rebuscado dos 18 anos) ao homem que “pecara demais para um arrependimento fácil”, logo após a morte da “Águia de Haia”, em março de 1923.
O que se percebe também, mesmo nos primeiros textos, é uma característica fundamental do futuro escritor: o amor pela poesia popular. Basta ler o artigo “Morte de um trovador”, bastante saudosista, no qual o garoto de 18 anos lembra com a melancolia de um homem maduro, “despido da roupagem branca dos inocentes”, a vida de “João Passarinho”, personagem que vivia no engenho de seu avô que cantava e tocava no violão “notas artísticas de um sentimentalismo sublime”. João Passarinho perdeu o juízo, “dizem as más línguas que fôra a ingratidão de uma mulher”, e morreu de gripe espanhola, mas foi resgatado por Zé Lins não apenas nesta crônica como no seu romance “Fogo morto”.
Um dos melhores textos é o que ele dedica a Lima Barreto, em 1922, definindo o autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma” como “a maior vocação do nosso romance”, só inferior a Machado de Assis. Embora curto, o artigo é duro em relação aos opositores de Lima Barreto, um autor que combateu a hipocrisia e as formalidades de seu tempo, e que por isso não teve uma projeção à altura da sua obra. Como diria o então ainda muito jovem cronista José Lins do Rego, mas neste artigo já revelando boas doses de ironia, “os grandes escritores têm sua língua e os medíocres, a sua gramática” – comentário bastante atual, como a própria obra de Lima Barreto.
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