MALDIÇÃO IMPERIAL
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo" de três de novembro 2007)
Mary Del Priore conta a vida trágica do príncipe que tentou ser Dom Pedro III
O príncipe maldito, de Mary Del Priore. Editora Objetiva, 312 páginas. R$ 36,90.
Uma das teorias mais interessantes no estudo da História é a especulação baseada na teoria do ´se´. Entre as mais divulgadas está a de como seria o mundo se Hitler tivesse vencido a guerra. Aqui no Brasil, muitos imaginam também como seria o país se os comunistas tivessem tomado o poder nos anos 60, em vez dos militares. Este livro trata de um outro ´se´ cheio de significados simbólicos dentro da História do Brasil: e se, em vez da república, D. Pedro III assumisse e desse continuidade ao Império brasileiro?
Muitas tramas para suceder o avô como imperador
A pesquisadora Mary Del Priore já deu grande contribuição ao estudo da História e da formação da sociedade brasileira com a sua coleção “História da vida privada no Brasil”, indispensável a quem quiser ao menos começar a tentar entender hábitos e costumes seculares do nosso povo. Aqui, ela descreve a vida do “príncipe maldito” utilizando a narrativa do romance histórico, o que torna a leitura bastante agradável, mesmo com tantos nomes, datas e informações e, o que é muito importante para situar o leitor, contextualizações históricas.
Mas quem era D. Pedro III e por que a alcunha de maldito? Na verdade, como se sabe, Pedro Augusto jamais chegou a ser D. Pedro III e mesmo que o império ainda existisse quando seu avô D. Pedro II morreu, em 1891, exilado em Paris, a primeira da linha sucessória seria sua tia, a princesa Isabel, e depois seus dois filhos. Pedro Augusto era o filho de Leopoldina, irmã mais nova de Isabel e já falecida. Mas Pedro tramou, e tramou muito para assumir o poder quando o avô, já debilitado há muitos anos, morresse. E é desta trama repleta de intrigas que trata a maior parte deste livro.
Por ter nascido antes dos filhos da tia Isabel e do seu marido, o Conde d´Eu, Pedro Augusto, descendente da dinastia dos Saxe e Coburgo, da Bélgica, sempre foi visto como aquele que iria chegar lá. Recebeu uma educação privilegiada, da mesma forma que o avô, e realmente era visto, pelos amigos do império mas também por abolicionistas e republicanos, como a pessoa talhada para assumir o império quando o avô morresse. A princesa Isabel era considerada uma pessoa sem preparo para assumir o poder e o Conde d´Eu era detestado, principalmente pelos militares.
Nos intervalos entre os dramas familiares e as crises políticas, a autora nos entretém com detalhadas descrições da geografia carioca da época, bem diferente da atual após tantos aterros e desmontes de morros, e também com detalhes pitorescos e por isso mesmo mais próximos da vida comum e que nunca encontramos nos livros didáticos. “Foi a primeira a demonstrar que não se provava virgindade em mulher enfiando um ovo vagina adentro”. A linguagem íntima retratando o que acontecia dentro dos aposentos imperiais passa longe do tom formal dos documentos oficiais, como na correspondência trocada entre as princesas Isabel e Leopoldina, ainda muito jovens, e que continham expressões como “Almirante de merda”, referindo-se ao vice-almirante Joaquim Raimundo, ou a perguntas do tipo: “Você se borrou com as pastilhas de chocolate”?, este “borrou” no sentido escatológico mesmo.
Se D. Pedro II às vezes é criticado por uma indecisão na hora em que é preciso tomar uma atitude, a autora enaltece outras qualidades do monarca já mencionadas por outros pesquisadores, como o completo respeito à liberdade de imprensa, a honestidade e a lisura em relação ao dinheiro público e, principalmente, o amor ao Brasil e ao seu povo, que por sua vez adorava o imperador e a princesa Isabel. A cena do exílio da família real, embarcada em plena madrugada, “lembrava um cortejo fúnebre” e é descrita de forma extremamente emocionante.
Dom Pedro II nunca quis um banho de sangue em seu nome
Se a corrida sucessória e as intrigas que a cercavam tomam a maior parte do livro, Mary Del Priore também dedica um generoso espaço ao momento seguinte à Proclamação da República, feita à revelia do povo (“...a rua do Ouvidor não se banhou em sangue, não se cobriu de barricadas, não se envolveu no fumo das batalhas!”) e que propiciou o surgimento do movimento monarquista, já que muita gente importante que apoiou a república agora se arrependia diante dos desmandos do novo governo. Se (novamente ele) D. Pedro II tivesse resistido, é bem provável que o povo e também os militares que apoiavam o imperador tivesse reagido. Mas D. Pedro II nunca quis um banho de sangue em seu nome.
E o príncipe Pedro Augusto, personagem principal de um livro repleto de personagens importantes? Seu destino, obviamente, não pode nem deve ser revelado aqui, mas o leitor já vai imaginando um desenlace trágico através de diversas pistas deixadas pela autora ao longo do texto. E fica a certeza de que aqueles momentos dramáticos e cruciais da História do Brasil, como a abolição, de papel fundamental no desfecho dramático da narrativa, repercutem até os dias de hoje.
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