quarta-feira, 5 de maio de 2010

UMA MURALHA NO MEIO DO CAMINHO



(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 22 de setembro de 2007)

Ressentimentos e incompreensões definem personagens de Menalton Braff

A muralha de Adriano, de Menalton Braff. Editora Bertrand Brasil, 368 páginas. R$ 49

André Luis Mansur


É bem provável que “As muralhas de Adriano” acabe parando em prateleiras de História Geral de muitas livrarias (as muralhas de Adriano foram construídas no século II pelo imperador romano Adriano para proteger a Inglaterra dos escoceses e são citadas num momento crucial do livro). O título realmente engana, mas, como o próprio autor diz, “é história em que as personagens envolvem-se em conflitos quase sempre originados por algum tipo de muralha”, seja ela individual ou social.

Vencedor do Jabuti em 2000 com o livro de contos “À sombra do Cipreste”, o gaúcho Menalton Braff concentra a trama de seu romance em torno de poderosa rede de supermercados Boacompra, dirigida pelo autoritário Tiago da Cunha Medeiros, “conhecido por suas imoralidades públicas e privadas”.

Braff constrói sua trama sem seguir ordem cronológica, dando aos personagens principais a chance de contar a história sob os seus próprios ângulos. É um mosaico de execução arriscada, mas o autor o faz tão bem que a narrativa acaba ganhando uma vitalidade que se mantém até o final, ainda mais que ele trata a língua portuguesa com profundo respeito: “Minha mãe, com olhos disfarçados em doçura, atravessou a cortina e adivinhou-me, sem dúvida portadora de mágoa me maior do que eu mesma”.

Tiago, Mateus, Lúcia, Anselmo e Verônica são os personagens principais de uma trama basicamente familiar, repleta de preconceitos, inveja, amor reprimido, ambição e saudade. O autor, como um artesão dedicado e detalhista, vai dosando os sentimentos entre eles, centralizando tudo na relação entre os irmãos Tiago e Mateus, um estudante de História que não quer assumir sua parte nos negócios da rede de supermercados e prefere ir estudar na Inglaterra.

Há necessidades constantes de acertos de contas entre os personagens, nem sempre realizáveis, o que gera frustrações irremediáveis. “Ninguém se revela inteiro e de uma só vez”. A falta de comunicação, a vontade de dizer e engolir as palavras, tudo vai se acumulando num ambiente de ressentimentos mal-disfarçados, o quase-silêncio constrangedor em que “só se ouviam os ruídos de maxilares em movimento e talheres tilintando contra porcelana”.

A ambição de Anselmo, “uma dessa pessoas é cuja existência é em permanente expansão”, torna-se a mola-mestra da história. Sujeito pobre, vai ganhar espaço de poder e riqueza, primeiro como líder estudantil na época do impeachment do Collor, depois como parlamentar e em seguida como alto funcionário do Boacompra. “Meus tios não eram ricos, mas nossa pobreza insultava a família, que muitas vezes tivera de socorrer a mim e mamãe”. O amor pela mãe e a compreensão de seu esforço em melhorar de vida são os atenuantes sentimentais, e talvez atenuantes, de uma vida completamente direcionada para a ambição.

O romance se articula principalmente no dilema entre buscar o sonho ou se adaptar à vida prática, personificados na rivalidade entre os irmãos. Tiago, o comerciante ríspido e autoritário, que detesta o irmão porque ele preferiu seguir o seu sonho de estudar História na Inglaterra e abrir mão de tudo, simboliza a vida competitiva, o estresse diário com as contas, os impostos e as preocupações e acaba se identificando muito mais com Anselmo, marido de sua filha Verônica e um “nobre deputado” que pode ajudá-lo nos meandros do poder.

A muralha de Adriano que dá título ao livro é um artigo de Mateus, o primeiro dele a ser publicado em jornal, e é um primor de avaliação da falta de liberdade e de um mundo que teoricamente quer romper as barreiras, as muralhas. “Globalização para quem? Estamos enredados em barreiras diáfanas, que sentimos sem ver (...)”. No meio disso tudo, o prazer, “um caminho em ziguezague”, da mesma forma que a narrativa deste livro, que no entanto parece atingir o seu objetivo como uma linha reta sem nenhum tipo de obstáculo.

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