quinta-feira, 8 de abril de 2010

TRAMA PORNOGRÁFICA COM ESCATOLOGIA E BOM HUMOR


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 11 de novembro de 2006)

Sexo anal - Uma novela marrom, de Luiz Biajoni - www.biajoni.notlong.com

Alguns títulos de livros seguem a linha do "parece, mas não é". Ou seja, chamam a atenção mas não têm nada a ver com o conteúdo. Não é o caso aqui, pois o autor dá o recado logo no início. Ao pedir desculpas pelo constrangimento, ele tranquiliza os leitores. "Jamais vou perguntar a qualquer um 'você leu minha novela?' pois, apesar de não parecer, eu tenho bom senso". Utilizando uma linguagem que em alguns momentos faz "O Doce Veneno do Escorpião", de Bruna Surfistinha, parecer literatura infantil, Biajoni (que também escreve no blog www.verbeat.org/blogs/biajoni) constrói uma interessante trama urbana altamente pornográfica, com alguns momentos escatológicos e muito bom-humor.

Virgínia, a protagonista, é uma jornalista iniciante que só sente realmente prazer quando faz sexo anal com seu namorado Luiz, um escriturário sem maiores ambições na vida. Um problema de hemorróida a leva a procurar um médico, dr. Júlio, e ali, no consultório, ela se deixa levar por suas fantasias e acaba traindo Luiz.

A jornalista tem a sua grande chance profissional quando o chefe a manda cobrir um crime que chocou a cidade: uma moça estuprada e esfaqueada por três bandidos. Sua vida se torna confusa, dividida entre a desconfiança de Luiz (para quem ela contou a aventura com o dr. Júlio), o estresse da cobertura, o assédio do médico e de Ana (uma amiga da faculdade apaixonada por ela) e a falta de dinheiro, que a obriga a pegar ônibus lotados todos os dias.

Além disso, ela vê seu segredo começar a "cair na boca do povo", pela indiscrição de pessoas que transaram com ela do seu jeito preferido e não conseguiram se conter. A jornalista começa a ver fantasmas por todos os lados e entra em pânico quando um dos estupradores, já preso e devidamente "amaciado" pelos policiais, grita para ela uma frase que vai atingir seu ponto mais sensível. "Ah, era o suficiente para vir-lhe um calafrio".

Biajoni faz também um interessante painel da rotina de um jornal popular de interior, aquele do tipo "se espremer, sai sangue". Enquanto o rival adota a linha de "não explorar a miséria humana", o jornal de Virgínia dava total prioridade à matéria do estupro, com a foto do criminoso na capa. "Cortem os quadrinhos, cortem os resumos das novelas, cortem toda a página de cultura se for preciso!".

Alguns diálogos poderiam ser mais bem trabalhados para ficarem mais naturais, há muitos erros de revisão (alguns gramaticais) e algumas situações inverossímeis, como o momento em que o colega de trabalho de Ana consegue facilmente o telefone de Luiz, sem nenhum questionamento.

O mais importante, no entanto, é que Biajoni conta bem a sua história, reunindo grande quantidade de personagens, quase todos bem construídos e relacionados de algum jeito à forma de prazer preferido de Virgínia. Quanto à linguagem, não esperem muitas metáforas. É bastante explícita mesmo (recomendo, inclusive, deixá-lo fora do alcance de crianças e de pessoas com muito pudor), mas nada gratuito, como às vezes acontece, mesmo com autores consagrados. O autor também não quer chocar ninguém, mas não usa meias palavras nas cenas de sexo que dominam boa parte do romance.

A leitura flui rápida, não apenas pelo interesse nos personagens, mas porque a linguagem de Biajoni traz momentos propositadamente exagerados, como é comum em textos de humor. Ele poderia ter desenvolvido mais o livro, pois, apesar de concluir sua história de forma satisfatória, ainda havia fôlego para as várias subtramas que cria. Mas o desabafo final de Virgínia, cheia de culpas, remorsos e dominada por suas fantasias, não deixou espaço para mais nada - ainda mais depois da última frase, romântica às avessas em todos os sentidos.

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