quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

VIAGEM GUIADA POR VIRGINIA WOOLF


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 11 de fevereiro de 2006)

Bivar mergulha no circuito e no clima do grupo de Bloomsbury, do qual a escritora fez parte

Bivar na Corte de Bloomsbury, de Antonio Bivar. Editora A Girafa, 528 pgs. R$ 65

Uma das grandes emoções de Antonio Bivar foi ter refeito o caminho percorrido por Virginia Woolf até o rio Ouse, onde a escritora inglesa, nome mais famoso de um grupo conhecido como “grupo de Bloomsbury”, se suicidou no dia 28 de março de 1941. Talvez tivesse tido tempo de olhar para trás, reconsiderar, desistir, pensa ele, mas ela não deve ter olhado para trás, saiu de casa decidida a fazer o que fez.

As memórias deste autor paulista, que escreveu, entre outras obras, um livro sobre o movimento punk (“O que é punk”, pela editora Brasiliense) e outro sobre Yolanda Penteado, de tradicional família paulista e grande incentivadora das artes (“Yolanda”, pela editora “A Girafa”), recaem sobre o grupo que se formou no bairro londrino de Bloomsbury, no início do século XX, e reunia, além de Virginia Woolf, nomes como o de John Maynard Keynes, um dos mais importantes economistas do século XX; Roger Fry, importante crítico e pintor britânico, e Dora Carrington, pintora que se envolveu com o escritor Lyttonn Sthrachey, outro membro do grupo.

Interesse pelo círculo
literário surgiu em 1993


Além de Bloomsbury, o grupo se encontrava em Charleston, no condado de Sussex, onde todos tinham casas de campo e anualmente acontece um importante festival literário na fazenda onde morou Virginia Woolf. Bivar conheceu a fazenda em 1993 e a partir daí seu interesse pelo grupo, iniciado com a leitura de “As ondas”, de Virginia Woolf, ganhou contornos mais emotivos e realistas.

A sede da fazenda, onde o autor esteve várias vezes, recebe milhares de visitantes todos os anos, gente atraída pela atmosfera que envolvia o famoso grupo e principalmente Virginia Woolf, que aparece em algumas das muitas fotos do livro e nome sempre relembrado no cinema, no teatro e na literatura. O filme “As horas”, baseado na vida de Virginia Woolf, deu o Oscar de melhor atriz para Nicole Kidman.

O relato de Antonio Bivar, extremamente minucioso nos detalhes, dá bem uma idéia de como os ingleses valorizam a memória de seus artistas, vivos ou mortos, abrindo suas casas para visitação, promovendo eventos em torno de seus nomes e — o que é inevitável — atraindo divisas para uma modalidade bem específica de turismo. Um tipo de trabalho que poderia ser seguido aqui no Brasil, país onde se destruiu a casa de seu maior escritor, Machado de Assis, no Cosme Velho, bairro da zona sul carioca.

O contato direto com descendentes de membros do grupo e estudiosos do mundo inteiro fez do festival e das escolas de verão oportunidade única para um contato mais próximo com o pensamento de uma época extremamente fértil para a cultura européia, o período entre as duas guerras mundiais, responsável também por uma “geração perdida” que se reunia em Paris e incluía gente como Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Pablo Picasso e Ezra Pound.

Peça de Harold Pinter
escandalizou o público


Uma das figuras presentes ao festival de Charleston foi Harold Pinter, Prêmio Nobel de Literatura de 2005, que fez a leitura de sua peça “Celebration” — segundo Bivar, “teatro do absurdo e da mais extrema crueldade na sua graça deslavada”. O texto, considerado grossíssimo, remete Bivar a uma matinê em 1967, no teatro Copacabana, vendo “Volta ao lar”, do mesmo Pinter, com Ziembinski e Fernanda Montenegro, um espetáculo chocante para o público carioca da época, “acostumado a uma Fernanda família, agora tão ‘depravada’”. O público de Charleston, ao que parece, também se escandalizou com Pinter.

Numa outra passagem, ele cita um debate realizado em torno da literatura brasileira, com a participação do poeta e ensaísta Felipe Fortuna, para quem “Paulo Coelho não é literatura brasileira” e que “seus livros são muito ruins, são horríveis”. No debate, a conclusão dos participantes ingleses é que Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos são autores difíceis. “O mais irritante nesse tipo de debate é o paternalismo imperialista em relação ao Terceiro Mundo: ele é fascinante desde que continue Terceiro Mundo”.

Música, guerra do Iraque
e Flip entre os temas


Mas o livro não se resume a Bloomsbury e suas diversas facetas. Profundo conhecedor do movimento punk, Bivar aproveita para falar de suas experiências em festivais, como o que assistiu na Inglaterra, com muitos “Fuck off Bush”, moicanos e trogloditas carecas e sem camisa. Dois atropelamentos, a morte da mãe, sua passagem pela Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, comentários sobre a guerra do Iraque e outros temas menores complementam o livro.

Apesar de algumas descrições um pouco cansativas e também de um certo exagero nos elogios aos seus ídolos (afinal, fã é fã), o livro serve tanto para uma iniciação ao grupo de Bloomsbury como também é um guia interessante para quem já o conhece, além de trazer muitas informações enriquecedoras sobre movimentos artísticos e personalidades como Oscar Wilde e Sigmund Freud.

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