UM BREVE RETRATO DE MACHADO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 19 de novembro de 2005)
Livro de caráter didático mostra a vida e a obra do grande autor e sua relação com o Rio
Para conhecer Machado de Assis, de Keila Grinberg, Lucia Grinberg e Anita Correia Lima de Almeida. Jorge Zahar Editor, 124 páginas. R$ 24
Mais um livro sobre Machado de Assis. Desta vez, a intenção das autoras é puramente didática, uma autêntica iniciação à vida e obra daquele que é considerado nosso maior escritor. Para quem também se interessa pelo Rio Antigo é um prato cheio, pois além de um mapa da cidade na época há nomes de ruas com a devida atualização e um painel completo do modo de vida da Corte. As autoras optaram por um estilo simples e explicativo, voltado principalmente aos mais jovens, e exploram de forma sutil os aspectos trágicos da vida deste homem que enfrentou todas as dificuldades possíveis e mais um pouco até chegar aonde chegou.
Os quadros explicativos sobre a cidade na época são acompanhados de trechos de livros de Machado, que detestava viajar e fazia do seu quintal o seu mundo, cujos limites iam do Largo do Machado (nada a ver com seu sobrenome) ao centro da cidade — a Corte, capital do Império brasileiro e que deslumbrou o garoto pobre do Morro do Livramento quando lá botou os pés pela primeira vez. "A sensação que tinha ao desembarcar na enorme praça, ao ver o grande palácio imperial, a sede do governo, era sempre a mesma - vibrava de excitação como se lá estivesse pela primeira vez".
Obra enfatiza esforço e
persistência do garoto pobre
As autoras destacam também a importância das invenções no final do século XIX, invenções essas que eram saudadas com entusiasmo pelo imperador. Um exemplo citado no livro é o do telefone, visto por D. Pedro II na exposição da Filadélfia em que Graham Bell apresentou ao mundo o aparelho que iria revolucionar a comunicação.
A trajetória de vida de Machado já renderia um romance dos bons. As autoras enfatizam o esforço e a persistência do garoto pobre que sequer tinha condições de freqüentar uma escola, mas que traçou seu objetivo de forma determinada. A pesquisa parece ter sido bem precisa quanto a datas, embora na linha do tempo que está no início do livro "Memórias póstumas de Brás Cubas" apareça como sendo lançado em 1779, quando na verdade a data certa é 1881, ano que marcou o início do realismo na literatura brasileira.
As autoras também preferem não entrar em detalhes sobre momentos polêmicos da vida do autor. "Ele se orgulhava de nunca ter tido um inimigo. E nunca teria, para o resto da vida". Com isso, elas evitam falar de Sílvio Romero, que atacava deliberadamente Machado de Assis, que nunca alimentou essa agressividade gratuita.
Outra frase que merece reflexão - "Machado nunca fora insensível à sorte dos escravos". Há profundas controvérsias sobre esse tema, tanto entre biógrafos quanto entre estudiosos de sua obra. Da mesma forma, as autoras passam muito rapidamente pela relação de Machado com sua madrasta, Maria Inês, no trecho em que ele guarda no bolso algumas pedrinhas do morro do Livramento. Lúcia Miguel Pereira, sua melhor biógrafa e que conheceu algumas pessoas que tiveram contato direto com Machado, é bem mais realista quanto a esse delicado assunto. Diz ela em seu livro "Machado de Assis": "Temendo talvez pôr Carolina em contato com Maria Inês, não querendo ele próprio ter constantemente diante dos olhos esse espectro de uma infância penosa, abandonou a pobre mulata".
Mas como foi dito, o livro é uma iniciação, e nesse sentido é muito bem feito e organizado. E realmente direcionado aos mais jovens. Tanto que elas iniciam falando da sua infância e terminam com a misteriosa visita de um garoto ao quarto de um Machado de Assis já nos últimos momentos de vida. Este garoto, que mais tarde descobriu-se ser Astrojildo Pereira, um importante intelectual que ajudou a fundar o Partido Comunista Brasileiro, entrou, deu um beijo na mão do escritor e foi embora. Sutil e discreto, como Machado de Assis.
1 Comentários:
Prezado André, acabei de ler "O Velho Oeste Carioca". Mto bom, uma obra essencial para conhecermos uma parte do Rio de Janeiro tão negligenciada. Gostaria de realizar uma entrevista contigo sobre o assunto. É possível? Segue meu e-mail para contato (não encontrei o seu nos blogs): lessa27@yahoo.com.br.
Um abraço!
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