PAÍS PELO AVESSO EM CONTOS DE GRANDES MESTRES
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 29 de janeiro de 2005)
Coletânea reúne textos ficcionais sobre a política e o poder
Fora da ordem e do progresso, org. de Luiz Ruffato e Simone Ruffato. Geração Editorial, 400 pgs. R$ 48
Uma edição caprichada, com 28 contos de alguns dos nossos melhores escritores sobre um tema que sempre pode render bons textos e muita polêmica: a política. De João Anzanello Carrascoza a Machado de Assis, os contos têm em comum não apenas o tema, mas a atualidade.
Em “A cabeça de Tiradentes”, Bernardo Guimarães mostra como se constrói um mito, no caso o de “mártir da Inconfidência Mineira”. Com o argumento extraído das tradições populares, o autor de “A escrava Isaura” narra o desaparecimento do crânio de Tiradentes da ponta de um estandarte, revelando como o mito do alferes já se perpetuava entre o povo bem antes da Proclamação da República.
Outra figura elevada à condição de mito também mereceu um texto à altura de sua importância, com uma mistura de ironia e bom humor. “O dia em que morreu Getúlio Vargas”, de Domingos Pellegrini, mostra a visão de um garoto se recuperando de caxumba e que só conhecia Getúlio como “um homem gordo de chapéu, com cachorro preto, andando num palácio com lama até os joelhos”. Em volta, uma descrição realista da consternação do povo, das brigas na rua e do abatimento da nação com a tragédia.
Luiz Vilela usa narrativa
feita só com diálogos
No entanto, se alguns autores preferem falar sobre personagens conhecidos e épocas precisas, outros contam histórias que prescindem de tempo e espaço, como “Más notícias”, de Luiz Vilela, cujo personagem candidato a prefeito tenta tirar vantagem de um acidente com um caminhão de bóias-frias num texto feito só de diálogos, técnica que o escritor mineiro, felizmente redescoberto há algum tempo, domina tão bem.
Da mesma forma, “Os homens que descobriam cadeiras proibidas”, de Ignácio de Loyola Brandão, não se refere a uma ditadura específica, mas abusa do sarcasmo e da concisão para ironizar as batidas policiais sem mandado judicial. Os homens não bateram, porque há muito a polícia não batia para entrar. Lembra, pela ironia e a situação absurda, a frase que Aparício Torelly, o "Barão de Itararé", pôs na porta da redação do "Jornal do Povo" depois de levar uma surra de oficiais da Marinha: “Entre sem bater”.
Lima Barreto, autor que também entendia bastante de arbitrariedades, participa com “Numa e a ninfa”, nome de um de seus melhores livros. Além da clara referência ao Barão do Rio Branco, seu desafeto, estão no texto duas características essenciais da sua obra: a atualidade e a metáfora.
No conto de João do Rio,
silêncio cerca marinheiro
Da mesma época e cidade, o Rio da belle époque, é João do Rio. “O fim de Arsênio Godard” traz uma forma de punição diferente a um marinheiro estrangeiro num navio rebelde. Ninguém lhe dirige a palavra e, à medida que o desespero dele aumenta, o leitor sente que a história se encaminha para um fim trágico. “Cada dia passado era para seus nervos mais um motivo de fúria, de raiva contida”.
Há contos de Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Lygia Fagundes Teles, entre outros. Machado de Assis, que não poderia faltar, vem muito bem representado com sua maquiavélica “Teoria do Medalhão”, em que expõe, com a tradicional ironia, a atitude correta a se tomar diante dos costumes sociais e políticos e que poderia entrar no guia de qualquer “marqueteiro” político. “Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo”.
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