domingo, 3 de janeiro de 2010

SCOTT FITZGERALD POR INTEIRO NO JOVEM, BONITO E AMBICIOSO AMORY BLAINE


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em cinco de julho de 2003)

Em seu primeiro livro, o autor americano já demonstra sua rara sensibilidade

Este lado do paraíso, de F. Scott Fitzgerald. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Editora Cosac & Naify, 336 páginas. R$ 37

Lançado em 1920, dois anos após o fim da I Guerra Mundial, “Este lado do paraíso” representa bem o espírito da época. O maior conflito ocorrido até então sepultou nas trincheiras da Europa a fina flor da juventude daquele continente e os ideais de paz e prosperidade da belle époque. Além disso, forjou as bases da “geração perdida”, o grupo de artistas auto-exilados em Paris que tinha como lemas a desilusão com o passado, a visão crítica do presente e a falta de esperança no futuro.

O autor deste livro, o americano de classe média alta Francis Scott Fitzgerald, foi um típico representante do grupo, assim como Ernest Hemingway, Ezra Pound e Gertrude Stein. O próprio Hemingway diria, a respeito de Fitzgerald, em “Paris é uma festa”, livro que retrata bem a efervescência daqueles dias: “Seu talento era tão espontâneo como o desenho que o pó faz nas asas de uma borboleta”.

Assim como o personagem,
autor estudou em Princeton


Para um escritor em seu primeiro livro, é quase impossível não despejar generosas porções de sua própria vida na história. Neste caso, Fitzgerald se colocou por inteiro na personalidade de Amory Blaine, o jovem bem nascido, bonito e ambicioso que adora mulheres, literatura, liberdade e, acima de tudo, de si mesmo. Da mesma forma que seu criador, o personagem também estuda na prestigiada Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, local onde se passa quase todo o enredo. Quer dizer, estudar em termos, pois tanto o autor como o personagem preferiam passar o tempo lendo, se apaixonando e praticando esportes. “A sala de aula era um campo fértil para um estudo sobre a estupidez”.

A perfeita descrição da geração que surgia nos escombros da guerra deu fama e sucesso repentinos a Fitzgerald, então com apenas 24 anos. Já estão presentes no livro características essenciais de um estilo que atingiria o auge no seu grande clássico, “O grande Gatsby”, livro fundamental em qualquer biblioteca: diálogos bem construídos e envolventes, belas e nada enfadonhas descrições de cenário naturais e, acima de tudo, uma rara sensibilidade para atingir os corações e mentes da juventude, um período da vida que ele, mais do que ninguém, exaltou em sua obra.

O sucesso deu a ele também a oportunidade de se casar com Zelsa Sayre, filha de um juiz do Alabama cuja família relutara em aceitar o pedido de casamento feito por Fitzgerald, mas que acabou cedendo após a boa repercussão do livro. Zelda e Scott formariam um dos casais mais turbulentos de sua época, numa trajetória de badalações nas colunas sociais, alcoolismo e instabilidade emocional já exaustivamente tratada por biógrafos, autorizados ou não. Fitzgerald morreria em 1940, aos 44 anos, de enfarte, e Zelda oito anos depois, após um incêndio no sanatório onde estava internada. No livro, Amory Blaine faz da frustração o resultado de seu envolvimento com as mulheres que cruzam sua vida, belas e caprichosas como Zelda. “A educação de todas as mulheres belas é o conhecimento que têm dos homens”.

Vida acelerada num meio
social egocêntrico e vaidoso


Ao dizer que Amory Blaine estava pronto para “despertar o Maquiavel que latejava em seu íntimo”, Fitzgerald mostra a fina ironia com que iria revelar o egocentrismo e a vaidade que percebia no meio em que vivia. A profunda lucidez do autor em relação às mudanças de comportamento que observava também revela – novamente através de Blaine –que a vida moderna já não mudava a cada século, porém ano a ano, numa clara antecipação do que ocorre hoje, quando tudo parece se transformar cada vez em menos tempo.

A capa da bela e ilustrada edição do livro, com a foto de um jogador de futebol americano, ilustra bem outra característica da obra do autor, a divulgação de valores da cultura de seu país. A partir de Fitzgerald, a literatura americana, que já tinha amadurecido e desenvolvido uma temática própria com autores como Mark Twain, ganhava uma classe e uma sofisticação que a marcariam por muitas gerações já não tão perdidas como aquela.

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