ESPERANÇA EM MEIO AO CAOS E À SOLIDÃO DA CIDADE
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 18 de janeiro de 2003)
Saraceni: o refúgio na solidariedade como motivação para viver
Luzes de Copacabana, de Sergio Saraceni. Bruxedo Editora, 188 páginas, R$ 25.
A memória é o personagem principal do segundo livro de Sergio Saraceni e primeiro da editora carioca Bruxedo. Ao retirar o personagem João Cris da bucólica Vila Macedo, em Petrópolis, e levá-lo para passar o fim de ano da virada do milênio na agitada Copacabana, Saraceni abre espaço para a inevitável comparação que surge quando alguém visita um lugar onde foi feliz e que hoje não passa de uma sombra de um passado muito distante.
O lugar é Copacabana, bairro que representa para João Cris o contraste, o choque entre dois mundos no mesmo espaço. O primeiro, o da juventude, dos sonhos, dos ideais, que tinha ruas mais tranqüilas e um respeito maior entre as pessoas; e o segundo, o da velhice, viúvo, doente, atordoado pelo barulho das ruas, pessoas sofrendo de síndrome do pânico, carros buzinando o tempo todo e assaltantes à espreita de qualquer distração, principalmente dos mais velhos.
Partilha democrática do
amplo espaço da praia
Mas a Copacabana que aparece aqui ainda é a do encontro de velhos amigos, do calçadão e o mar aberto em frente, e da expectativa do ano-novo, uma festa que reúne milhões de pessoas de todas as partes do mundo. Apesar da comparação com o passado, que teima em surgir a cada esquina, João Cris não renega o presente e se deslumbra com o movimento das ruas e a partilha democrática do amplo espaço da praia.
Por intermédio de uma prosa simples, exceto nos diálogos, que na maioria das vezes soam muito formais para uma conversa entre amigos, Sérgio, que é irmão do cineasta Paulo Cezar Saraceni, aproveita para traçar um retrato das dificuldades enfrentadas por professores e estudantes de classe média nos tempos da ditadura, através da agitação em torno do antigo Teatro Opinião, das torturas e do desaparecimento de amigos.
O livro tem uma trama bastante interessante e atual, que trata de uma dívida com um traficante de drogas contraída pelo filho de seu melhor amigo, que também é casado com uma garota portadora do vírus HIV. Em meio a isso tudo, surge a misteriosa figura do irmão adotivo de João Cris, Aníbal, que de personagem secundário vai se tornar essencial para o desfecho da história.
Ar melancólico inevitável
no reencontro dos amigos
Há um tom melancólico em todo o livro, que pode parecer excessivo para uns e adequado para outros, mas que é inevitável diante de amigos que não se vêem há muito tempo e que se encontram diante de situações extremamente complicadas. No entanto, o autor também busca para o seu personagem principal um outro refúgio para as dificuldades da vida solitária, sem a esposa, com quem sonha constantemente: a solidariedade. No trabalho no orfanato, na ajuda financeira aos amigos, mesmo sem poder, e na sensibilidade demonstrada diante de pequenos e significativos gestos, a atitude de João Cris diante da vida é sua própria motivação diante dela. O autor mostra, com o seu personagem principal, que a amizade e o amor ao próximo, mesmo que este próximo seja alguém que ele mal conhece, é uma, ou talvez a única forma, de se ter esperança num mundo tão louco como este.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial