segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O SHOPPING OU O SANTUÁRIO DO VAZIO


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 17 de fevereiro de 2001)

Simone Campos descreve geração imbecilizada pela volúpia das compras

No shopping, de Simone Campos. Editora 7letras, 76 páginas. R$ 15

Dá para ler na Praça de Alimentação, entre o milk-shake e um big-qualquer-coisa. Mas, apesar de pequeno, "No shopping" não é de digestão fácil, como constata Yuri, um dos personagens que mostram a cara neste pequeno mundo de ar-condicionado forte, vitrines com a palavra "SALE" e ausência de luz solar: "É que nossa geração...veio assim de fábrica".

A autora Simone Campos, que escreveu o livro com apenas 17 anos, descreve a rotina de nerds e patricinhas como Yuri, Juliana e Delia com pessimismo. "Carregavam muitas sacolas e nenhuma culpa. Milhares de rostos cretinos formando uma estatística". Apesar de tanto já ter se falado sobre a geração shopping-center, a autora não esbarra no lugar-comum e até se dá ao luxo de algumas liberdades formais, como os parágrafos sem vírgulas, que expressam melhor a passagem desordenada do tempo na cabeça de seus personagens-consumidores.

Drogas vendidas na locadora, ladrõezinhos de classe média, um amor que chega meio torto, sem nenhuma sombra de lirismo, tudo gira em torno do shopping, cuja construção é ansiosamente aguardada e, como é ressaltado, construído por aqueles que jamais entrarão pela porta da frente.

Moral e ética, artigos que
não estão nas vitrines


Não há muito espaço para a inocência no livro de Simone Campos. "Eu sinto falta dos aniversários. De correr atrás dos outros pirralhos com alguma bobagem pessoal na cabeça". Os tempos, pelo menos da forma como vistos aqui, são realmente outros e a saudade pode muito bem ser substituída por festinhas incrementadas e sorvetes de baunilha e chocolate.

O shopping aparece como uma espécie de santuário mercantilista, onde almas ocas vão confessar suas culpas diante de um "deus" que lhes perdoa tudo, contanto que o cartão de crédito esteja em dia. "Delia entrou no templo, contrita. Examinou os grandes vitrais coloridos, límpidos, e suspirou à vista das imagens gloriosas. Havia uma música suave no ar. Pessoas saíam, já tendo contribuído financeiramente para a obra".

Moral, ética e outros artigos menos votados parecem desnecessários, até porque não podem ser expostos nas vitrines. O retrato, embora exageradamente ácido, mostra com clareza e falta de envolvimento, as relações superficiais de quem está ali não para trocar idéias nem expressar sentimentos. Apesar de não se aprofundar no assunto, já que o livro é quase todo formado de diálogos, a autora vê o shopping como a ponta de um iceberg de relações frias (sem trocadilho) e entediantes.

Simone Campos apresenta maturidade surpreendente para não cair na pasmaceira ideológica de culpar o sistema, a globalização e seu descarado estímulo ao consumo sem culpas. Ela simplesmente constata o que toda essa mistura pode provocar nos corações e mentes de toda uma geração, aliás, de sua própria geração. E a constatação é - apesar da euforia de quem sai cheio de sacolas de um shopping - impregnada de profundo pessimismo.

Globalização e consumo,
depressão e inutilidade


No final desse rápido passeio no shopping, fica mesmo a certeza de que a globalização, a informação em tempo real e o estímulo escancarado ao consumo fornecem material constante para se preencher o tempo, mas deixando espaço aberto para a depressão, a angústia e a certeza de que esse tempo poderia ser preenchido de forma mais interessante. "Ninguém mais é muito feio ou chato demais. Afinal tudo dura um momento. Não chega a doer".

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