AGRURAS DE UM TORCEDOR APAIXONADO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 23 de dezembro de 2000)
Hornby faz de seu fanatismo pelo futebol o tema do romance ´Febre de bola´
Febre de bola (a vida de um torcedor), de Nick Hornby. Tradução de Paulo Reis. Editora Rocco, 248 pgs. R$ 20
Nick Hornby é o escritor cult do momento. Desde o sucesso do livro “Alta fidelidade” ele é citado em nove entre dez conversas intelectualizadas, principalmente devido às intermináveis listas de cinco melhores e piores de qualquer coisa. “Febre de bola” provavelmente fará parte do enredo destas mesmas conversas, nem que seja para convencer quem não gosta ou não entende de futebol a ler o livro. Será uma árdua tarefa, já que Hornby fala a maior parte do tempo do Arsenal, legítimo representante de uma das piores coisas que Deus já colocou na face da terra: o futebol inglês.
Mas vá lá, apesar de excessivas descrições de times, táticas, tabelas e históricos de alguns clubes do botinudo futebol da terra onde nasceram o punk e os hooligans, citados constantemente, o autor faz do esporte mais popular do planeta um pano de fundo para suas experiências de vida, profundas ou superficiais, alegres ou tristes. “Quando terminou o meu primeiro caso amoroso de verdade? No dia seguinte a um empate decepcionante por 2 a 2 com o Coventry em 1981”.
Como qualquer fanático por futebol, ele nem precisaria dizer que é um obsessivo, embora repita isso constantemente. O que esperar de um sujeito já passado dos 30, com um tornozelo inchado, que convence a namorada e um casal a enfrentarem uma chuva torrencial para verem um empate sem gols entre o Arsenal e o Wimbledon? A diferença entre ele e a maioria dos torcedores obsessivos é que Hornby escreve bem, é engraçado e abusa do humor sutil – talvez o melhor argumento para convencer quem não suporta futebol a ler o livro.
Desde sua primeira ida ao estádio de Highbury, ainda criança, com o pai, até a fase em que já é professor de inglês e tenta se iniciar na literatura, os sucessos e tropeços – estes em maior quantidade – do Arsenal estão intimamente ligados ao seu crescimento, à descoberta das mulheres, à dor da separação dos pais, à música pop, drogas leves, frustrações profissionais e à passagem por Cambridge, onde torceu arduamente pelo Cambridge United, então um legítimo representante da quarta divisão inglesa (eu disse que ele era um obsessivo!).
Uma diversão que se
confunde com o sofrimento
Seria patética, se não fosse séria, a maior preocupação deste ensandecido torcedor em relação ao futuro, traduzido por família e filhos. “Deve haver muitos pais pelo país afora que já viveram a rejeição mais cruel e devastadora de todas: seus filhos acabaram torcendo pelo time errado”.
O pessimismo latente em relação aos jogos do Arsenal (“o estado natural do torcedor de futebol é de amarga decepção, pouco importa qual seja o placar”) ilustra a falta de perspectiva em relação ao futuro profissional, após diversas cartas de rejeição de editoras, a dificuldade em conciliar uma vida social e afetiva com as tardes de sábado, quando são realizados os jogos, e a constatação de que a sua principal diversão é uma espécie de sofrimento.
Falta ao livro que o bom humor, a ironia e as frases inteligentes sejam usados em mais jogos fora da limitadíssima Liga Inglesa. Como ele faz ao dar uma das mais autênticas definições sobre a seleção brasileira de 1970, quando Pelé e companhia foram vistos pelo mundo inteiro ao vivo pela primeira vez: “Aquele time revelou uma espécie de ideal platônico que ninguém, nem os próprios brasileiros, seria capaz de atingir novamente”.
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