sexta-feira, 12 de setembro de 2008

NOVO LIVRO DE JOHN GRISHAM EXPÕE O MUNDO DOS SEM-TETO E DOS MISERÁVEIS


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em cinco de dezembro de 1998)

O ´advogado´ já chegou às livrarias americanas com 2,8 milhões de exemplares

O advogado
, de John Grisham. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues. Editora Rocco, 352 páginas. R$ 25

Os números podem até vir a mentir algum dia, mas enquanto isto não acontece, o escritor americano John Grisham continua a ser uma espécie de Midas literário, transformando seus livros em milhões de dólares e filmes de sucesso. Os tribunais, arena preferida de nove entre dez autores daquele país, são os palcos principais de suas obras. Nessas histórias envoltas em pilhas de processos, réus, acusadores e juramentos, Grisham não apresenta muitos requintes literários, mas tramas envolventes e elaboradas, mesmo para quem não suporta a linguagem jurídica – ou seja, a maioria dos mortais. “O advogado”, seu último best-seller, é um bom exemplo.

Apesar do título original, “The street lawyer” (“O advogado das ruas”), ter muito mais sentido, o que poderia ser mais uma história sobre serial killers, outra mania americana, transforma-se numa interessante abordagem sobre o difícil cotidiano dos moradores das ruas, um tema comum a qualquer metrópole brasileira. Lançado este mês no Brasil, “O advogado” chegou às livrarias americanas com 2,8 milhões de cópias – só aqui foram 20 mil exemplares vendidos nos dez primeiros dias. Nada surpreendente para este advogado nascido no Arkansas, em 1955, que já vendeu desde 1991 mais de 90 milhões de cópias apenas nos EUA.

A descoberta de um outro
mundo sob a mira de uma arma


Michael Brock é aquele bem-sucedido advogado de uma grande firma, infeliz no casamento e que nunca presta atenção em outra coisa a não ser no trabalho. Ao ficar na mira do revólver de um mendigo que invadiu seu prédio depois de ser despejado de uma construção, muda radicalmente de vida. Intitulado “senhor”, usando 12 cabos de vassoura serrados em volta da cintura, o mendigo (que, é claro, é veterano do Vietnã) constrange seus reféns, todos advogados, alguns milionários: “Vocês gastam mais em café especial do que eu gasto para comer”. Enquanto “senhor” dá sermões sobre distribuição de renda, egoísmo e amor ao próximo, o prédio já está cercado de atiradores de elite. O desenlace dramático do caso é apenas o ponto de partida para a reviravolta de Brock, que acaba se interessando por um mundo que existia além de seu carro e do aquecedor, bem protegido contra o rigoroso inverno de Washington D.C.

Entram em cena os guetos de desabrigados e miseráveis, onde os albergues não comportam todos e o crack e as gangues surgem para suprir a lei. Michael Brock, até então mais um advogado engomadinho, que não vê diferença entre uma ação de despejo e um processo anti-truste, descobre algo incrível para seus padrões de vida: pessoas que ajudam as outras sem nenhum retorno financeiro. Ainda perplexo, conhece o advogado Mordecai Green, um negro de 1,90m, cabelos grisalhos e óculos com aros de tartaruga, especializado em ajudar os que não têm para onde ir e que trabalha numa verdadeira espelunca, com computadores antiquados, papelada para todos os lados e uma foto de Marthin Luther King na parede. Green, o personagem mais bem desenvolvido do livro, conhece as brechas da burocracia e usa seu vozeirão para conseguir agilizar os processos.

Indeciso entre dois tipos de vida completamente opostos, Brock se define quando uma jovem mãe com quatro filhos morre dentro de um carro, no qual moravam para escapar do frio. Ele é forçado a entrar num mundo que sempre esteve ali, vizinho ao Capitólio e à Casa Branca. Um mundo onde os vale-transportes não são entregues, benefícios custam a ser concedidos e os bancos e pontes são as únicas alternativas para milhares de pessoas.

Autor propõe soluções para
o problema dos desabrigados


Grisham até que propõe alternativas interessantes para os problemas dos sem-teto, fruto de sua própria experiência, quando conheceu a Clínica de Advocacia de Washington. Apesar de um otimismo às vezes exagerado, ele vê no método hostil de Mordecai Green – “Os advogados sempre tiveram grande habilidade para arranjar encrencas” – a melhor forma de se lidar com o problema, mesmo com os constantes cortes de orçamento do governo e a brutalidade policial, numa capital onde a população negra é maioria esmagadora.

É curioso observar a descrição do método policial da “varredura”, utilizado em Atlanta antes da Olimpíada de 1996, que consiste em retirar os sem-teto das ruas e leva-los para alguma outra cidade, ou mesmo para estradas desertas. Uma prova de que, tanto no primeiro quanto nos mundos mais baixos, a política social possui semelhanças incríveis.

No país onde se encontra um advogado em cada esquina, muitos desses profissionais procuram seguir os seus passos e tentam enveredar pelos caminhos do ilustre colega. A julgar pelo volume de recursos que gira em torno dos produtos Grisham em todo o mundo, algo em torno US$ 1 bilhão, vale a pena.

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