CONVERSA DE BOTEQUIM
(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", de 23 de novembro de 1996)
A paixão pelo Flamengo transforma pesquisa em uma torcida organizada
Para sempre, Flamengo - Jefferson de Andrade - Irradiação cultural, 168 páginas - R$ 17
Para sempre, Flamengo é uma típica conversa daquelas de botequim, que só acabam quando o sol nasce e o português baixa as portas. Jefferson de Andrade conta a paixão por seu clube de coração como se estivesse no mais autêntico pé-sujo, juntando datas, jogos e nomes com a mesma naturalidade de quem descasca um ovo cor-de-rosa acompanhado de uma cerveja - segundo ele, a bebida marca registrada do futebol. O único problema é que, às vezes, a atenção do leitor não segue o mesmo ritmo passional do autor-torcedor, deixando partes do texto tão confusas quanto o meio-campo atual do “mais querido”.
A memória de Jefferson junta, na mesma prosa de mineiro radicado no Rio, Leônidas, Zico, Dida, Zizinho, Adílio, Tri de 44, briga de 66, frustração em 77, num texto que nem sempre consegue tocar a boca com classe, em meio a tanta informação por parágrafo quadrado.
O Brasileirão de 1982, vencido pelo Flamengo, acompanha a narrativa do primeiro ao último minuto. Pode ser durante as conversas com o porteiro paraibano – e também rubro-negro fanático – como nas comemorações nos bares e as idas e vindas sem fim ao Maracanã. Tanto faz. Jefferson destila sua vida conciliando a dificuldade em juntar mulher e futebol no mesmo time com a adoção de uma filosofia típica de arquibancada: “O melhor lugar para se sentir só é no Maracanã, em dia de Fla x Flu”.
Os torcedores de carteirinha deverão se identificar com as peripécias de Jefferson no rumo do time da Gávea. Está tudo lá. O relógio puxado no ônibus, a arquibancada espremida, o radinho fora de sintonia e a constatação de que o brasileiro só se une mesmo é no futebol, quando os palpiteiros do Oiapoque ao Chuí descarregam suas opiniões irredutíveis e detalhados esquemas táticos. Compreendendo que todo brasileiro já nasce técnico de futebol, o autor solta o verbo contra seus desafetos. Sobre Flávio Costa, o técnico que barrou Gérson no Flamengo e perdeu a Copa de 50, o autor é sutil como um zagueiro argentino: “Flávio Costa deveria vestir farda e dar ordens em quartel”. Zagalo também recebe seu devido pontapé na canela e é descrito como “o cara que nunca gostou de trabalhar com jogadores jovens”.
A falta de boa vontade com os técnicos (que, assim como os juízes, também têm duas mães) encontra o seu ápice num brado filosófico, daqueles de torcedor bêbado e de cabeça inchada: “Mas os técnicos são teimosos, são touros cegos que, enfurecidos, ignoram os séculos de todas as evidências”.
Nesta marcação cerrada, o futebol dá uma trégua de vez em quando e abre espaço também para a política. A posição de meia esquerda nesse setor é revelada em lamúrias contra o SNI, linha dura, Arena e outros times menos votados. Pena que seja um espaço pequeno e Jefferson não fale com mais freqüência dos campeonatos gigantes da década de 70, sempre dentro da política do Brasil Grande.
A parte documental das vitórias e derrotas passa pelo ensebado caderno do porteiro Domingos, cujos constantes diálogos com Jefferson pecam por uma certa falta de naturalidade, parecendo mais um texto decorado por atores de última hora. Umas gírias de época, tão comuns no futebol, dariam uma maior descontração às palavras dos dois fanáticos.
A naturalidade que falta de um lado ganha um tom bizarro do outro. “Justo no dia do jogo Flamengo e ADN, de Niterói, um domingo, ela se internou num hospital para retirar o quisto”. O tal jogo foi vencido de goleada pelo Flamengo, com um gol histórico de Zico, não registrado por nenhuma câmera de TV, nem pelos olhos atentos de Jefferson. Uma tragédia.
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