terça-feira, 13 de maio de 2008

O AMARGO SONHO AMERICANO


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 27 de julho de 1996)

Com ironia e muito lugar-comum, Tom Robbins retrata frustações dos EUA com seu ´way of life´

Quase dormindo de touca
- Tom Robbins - Tradução de Luiz A. de Araújo - Best Seller, 372 páginas - R$ 25

É difícil iniciar uma resenha sobre um livro tão debochado como Quase dormindo de touca, de Tom Robbins. Afinal, para um escritor que conta com algumas veias irônicas, um mínimo de criatividade e vive numa sociedade que, no máximo, ainda olha para o umbigo de vez em quando, o sarcasmo se torna um ingrediente irresistível. Está certo que Robbins apele, muitas vezes, para um vocabulário que deixaria ruborizado qualquer fã do Costinha, mas a verdadeira catástrofe burguesa que ele descreve após um crack na Bolsa americana reserva uma extensa série de situações cômicas e frases espirituosas por todo o livro.

Apesar da ironia desvelada que acompanha toda a trama – “Se fosse ser pago por um trabalho que a gente não sabe fazer direito, a metade do país estaria na cadeia” -, Robbins tempera a história com boas pitadas da frustração de grande parcela dos americanos com o seu tão decantado way of life, um sistema essencialmente democrático, que reserva espaço tanto para déficit público e carros japoneses, como para uma classe privilegiada cada vez mais indisposta a olhar para os crescentes problemas sociais do país.

No caso, a turma aí está bem representada por Gwendolin Mati, uma corretora tão incompetente quanto arrogante e que, a princípio, leva seus clientes à miséria após o crack. Gwendolin acredita fielmente que “o sonho americano está desaparecendo por culpa dos que nunca sonharam”, uma concepção bem patriótica, ainda mais levando em consideração que os desvairados sonhos do Tio Sam costumam originar amargos pesadelos para muita gente.

Como o desastre financeiro ocorre na véspera do feriado de Sexta-feira Santa, a trama toda se baseia na expectativa da redentora segunda-feira, que poderá trazer o último fio de esperança para milhões de miseráveis emergentes. Aliado a isso, Robbins incrementa ao drama da pobre criatura mais dois curiosos incidentes. Primeiro, desaparece André, o macaco francês do namorado de Gwendolin, um primata que tem o péssimo hábito de surrupiar jóias de grã-finas descuidadas. Logo depois, quem toma “chá de sumiço” é a conselheira da corretora, Q-Jo Huffington, uma taróloga adivinhona de 150 quilos que dá um dos inevitáveis toques bizarros à história.

O autor trata Gwendolin por você, o que, embora não deixe de causar um certo interesse à estrutura narrativa, em certos momentos chega a ser excessivamente intimista, dando ao texto a dimensão nada louvável de um folhetim daqueles bem “fuxiqueiros”. Por outro lado, Robbins teve a feliz idéia de dividir os capítulos por horários, o que valoriza cada hora do angustiante fim de semana da protagonista e seus infelizes clientes.

Entre altos e baixos, o livro mantém o interesse não apenas pela tão sonhada segunda-feira, mas também pelo sumiço dos dois curiosos personagens já citados e por constantes e impiedosas alfinetadas a um sistema social e econômico que continua seguindo ladeira abaixo sem freios.

Há comentários que resumem bem o pensamento do autor, como o que antecede a um discurso presidencial, onde “depois de limpar a garganta e ajustar a expressão facial, o presidente está em condições de se dirigir à cada vez mais reduzida parcela da população que não se dedica a pedir esmola, fumar crack ou jogar boliche”.

O exótico também ganha espaço na trama e envolve uma enigmática carta de tarô e misteriosas viagens ao Oriente. Tudo, é claro, girando em torno da protagonista, que se envolve com o megaespeculador (termo tão familiar) Larry Diamond, um visionário pornográfico que considera o emprego um dos maiores males da humanidade. “No contexto da História, nunca foram mais que um modismo passageiro”.

Apesar da aparente desarmonia entre situações e personagens, Robbins dá uma boa estrutura ao romance. Mas a ironia exagerada – “Joga uma moeda a uma mulher sem braço, que a apara entre os seios” – ou o excesso de frases de efeito diluem um pouco o interesse. Como ler, sem um remédio para enjôo por perto, umas dez frases como essa: “Imediatamente, os raios de sol, com máquinas fotográficas penduradas no pescoço, fazem fila para entrar em seu umbigo?” O pior é que tem.

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