sexta-feira, 4 de abril de 2008

A AUTORA À ESPREITA DO SUSTO


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 20 de abril de 1996)

Mary Higgins Clark repete a fórmula infalível de uma narrativa de mistério bem tradicional

Lembre-se de mim
- Mary Higgins Clark - Tradução de Léa Viveiros de Castro - Rocco, 262 páginas - R$ 27

Pela aparência, não se diz muito. A simpática e discreta senhora, confortavelmente instalada na contra-capa do livro Lembre-se de mim, parece mais uma atraente organizadora de chás beneficentes ou, quando muito, a primeira-dama de algum político republicano do Texas. Mary Higgins Clark, no entanto, está mais do que acostumada em pregar bons sustos em seus incautos e desavisados leitores.

A atmosfera de Cap God, na costa Leste americana, é o caldeirão onde Clark usa e abusa de ingredientes infalíveis para uma história de mistério. Casarões antigos, repletos de estranhos ruídos, muitas vozes e choros trazidos pelo vento e ainda a morte misteriosa de uma jovem milionária, pondo sob suspeita de golpe do baú o marido boa-pinta, que apesar de levar para as núpcias só as roupas do corpo jura para Deus e o mundo que é inocente.

Mas como ser julgado e fazer pesquisas por lá é tão comum quanto avançar o sinal por aqui, o inquérito é aberto e até que garante boa parte do suspense da história. O resto do mistério é reservado ao passado de Cape God, onde piratas, saqueadores e um suposto adultério vêm à tona quase 300 anos depois, confundindo ainda mais as cabeças de personagens recém-saídos de clínicas psiquiátricas.

Menley Nichols, por exemplo, é a principal vítima de Clark. Atormentada por ter provocado o acidente que matou seu filho Bobby, a pobre da Menley até que vai dando a volta por cima em seus traumas, escrevendo livros infantis de sucesso e cuidando da filha de poucos meses. O que ela não imagina é que, ao passar uma temporada na soturna Casa da Lembrança com o marido e a filha, se afunde cada vez mais num ambiente de medo e isolamento, típico de quem enguiçou o carro na Linha Vermelha ou já comeu coxinha de galinha em rodoviária.

Clark, que já presidiu o singelo grupo Autores de Mistério da América, prefere não abusar dos clichês e consegue manter tramas paralelas e envolventes até o fim do livro, que é dividido em 110 pequenos capítulos. Pela experiência em assustar os outros, a autora fica à vontade num tipo de narrativa que sempre deixa algo no ar ao fim de cada capítulo.

O resultado mantém o suspense em alta e só mistura de vez a vida dos personagens quando o livro de aproxima do ponto final. É aí que detalhes até então moribundos, jogados sem nexo aqui e ali ao longo da história, revelam seus curiosos destinos num complexo quebra-cabeça. Tão complexo que a própria autora esquece algumas peças e “escorrega” num clímax meio capenga. O envolvente ambiente de mistério que regula a vida da protagonista durante toda a trama acaba esbarrando em causas simplórias, acompanhadas de um plano maligno tão absurdo que daria inveja ao Dick Vigarista.

É um contraste e tanto, por exemplo, com os mil detalhes que Clark despeja no inquérito sobre o suposto homicídio da jovem milionária, capazes de surpresas a cada virada de página. Da mesma forma, para atrair por inteiro o leitor, a autora não pensa duas vezes em levar para uma casa onde o berço balança e as crianças trocam de lugar à noite uma mulher que tem o péssimo hábito de ouvir o filho morto chamando por ela de madrugada.

Os requintes de sadismo da escritora se aliam à ótima caracterização dos personagens, que não deixa quase ninguém sobrar na história. Faltou apenas injetar algumas doses de dissimulação ao tal viúvo suspeito de homicídio, Scott Covey, que na maior parte do livro assume o papel de um noivo no casamento errado.

Feitas as contas, o livro reserva muito mais sustos do que decepções. E se for levado em consideração que os sustos de hoje encontram muito mais guarida nos noticiários dos jornais do que nos antigos bichos-papões, é difícil não louvar um bom livro de mistério. Ainda mais quando esse mistério passa longe do fascinante suspense que envolve pastas rosas e sacos pretos, roxos e afins.

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