ARROZ COM FEIJÃO E CHUCRUTE
(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 16 de dezembro de 1995.)
Cronista brasileiro conta suas experiências na Alemanha e faz comparações entre as duas culturas
Um brasileiro em Berlim, de João Ubaldo Ribeiro. Nova Fronteira, 160 páginas, R$ 17
João Ubaldo Ribeiro parece não gostar mesmo de viajar na classe econômica. Pois logo no início de Um braileiro em Berlim, ele a compara a um vagão de búfalos, "exceção feita à comida, já que a dos búfalos e certamente melhor". Mais comentários sobre viagens aéreas surgem nas 16 crônicas do livro, que retrata as desventuras que o escritor e sua família viveram durante 15 meses na capital alemã. O dia-a-dia germânico se revela um prato cheio para um bom contador de histórias, que extrai curiosas comparações de duas culturas tão distantes quanto um prato de feijão com arroz e uma porção de chucrute.
Entre palestras e leituras em grupo, o escritor pôde conferir de perto a imagem desfocada que o Brasil tem no exterior. Afinal, qualquer criancinha européia ou americana já deve ter ouvido que por aqui as pessoas andam seminuas, dançam nas ruas e só pensam em sexo. O escritor, no entanto, acrescenta mais alguns dados a esse fecundo imaginário tropical.
João Ubaldo cometeu a gafe de dizer que nunca tinha visto um índio na vida. E que também não conhecia a Amazônia. Diante de indignados alemães, a nacionalidade do escritor chega a ser posta em dúvida. Mas eis que ele se redime e lembra que ainda vê uns 200 ou 300 índios por dia no Rio de Janeiro, isso sem falar no canibalismo. "Creio haver, certa feita em Nuremberg, percebido nervosismo numa companheira de mesa, cada vez que eu olhava para o braço dela e pegava o ketchup (mas resisti e não dei uma dentadinha nela)".
O apetite do leitor permanece aberto quando o escritor vira mestre-cuca e resolve temperar um pouco a vida dos gélidos alemães. Pratos como o churrasco Brandemburgo ou a caldeirada Unificação encheram de orgulho a culinária verde-amarela, embora algumas vezes os convidados se retirassem cobertos de suor para se abanarem sem casaco sob uma temperatura de 10 graus negativos, "volta e meia colhendo na sacada um punhado de neve para enfiar na boca".
João Ubaldo aproveita para dar uma dica às agências de viagens, quando descobre em Berlim um atrativo turístico específico para brasileiros: observar o respeito dos alemães pelos sinais de trânsito. "Isto é considerado uma absoluta e inédita maravilha, merecedora de horas de contemplação, comentários abismados e cartas estarrecidas para amigos".
Segundo ele, a diferença entre o trânsito germânico e o brasileiro pode ser resumida na história de dois alemães atravessando a rua, quando de repente surge um carro. Um alemão fala para o outro: "Não se assuste, que ele já nos viu". No Brasil, segundo o escritor, a frase correta seria: "Corra, que ele já nos viu".
A irreverência domina quase todas as observações sobre o cotidiano alemão e suas diferenças com a nossa amalucada rotina. Um simples passeio pelas ruas já traz uma flagrante constatação: ninguém olha para ninguém na Alemanha. Segundo o escritor, "os olhares que por acaso se cruzam são logo desviados, cada qual se recolhe em seu silêncio e eu fico meio solipsista". Ele lembra, inclusive, quando viu na rua uma mulher alta, vistosa e com uma roupa colante. Só percebeu que não estava numa esquisa no Leblon quando sentiu a indiferença em volta. "Já aqui, sinto uma espécie de privação sensorial", afirma, num desalento abismal.
O livro não se restringe somente às desventuras do escritor em Berlim. Algumas reflexões profundas sobre a relação incestuosa entre dinheiro e literatura dão o que pensar. O avião, inclusive, é usado como símbolo de divisão entre quem edita e quem escreve. Os editores na primeira classe e os escritores na econômica, com "nossa glória, nossa cerveja morna, nossos sanduíches ressequidos e nossas aeromoças tão doces de trato quando um sargento dos fuzileiros navais."
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