segunda-feira, 7 de abril de 2008

IANQUES INVADEM A FRANÇA


(Publicado no caderno ´Idéias´, do ´Jornal do Brasil´, em 27 de abril de 1996)

O pós-guerra numa cidade francesa mostra a força da presença cultural americana

A ocupação americana
- Pascal Quignard - Tradução: Rubens Figueiredo - Rocco, 128 páginas - R$ 17,50

O conturbado período pós-Segunda Guerra é um prato cheio para qualquer contador de histórias. Em A ocupação americana, o escritor francês Pascal Quignard prova isso, ao retratar o choque cultural que uma base militar dos EUA provoca na pequena cidade francesa de Meung, onde muito jazz, maconha e calças jeans pegam carona no grande esforço para se evitar o temido "avanço vermelho". Num lugar em que Coca-Cola era tida como "perigoso veneno, que deixava as pessoas loucas", um casal de namorados acaba resumindo todo o fascínio que a cultura ianque despertava então nos jovens do Velho Mundo.

Como bom francês, Quignard não resiste em despejar tiradas filosóficas a torto e a direito, saídas principalmente da boca de Rydell, um músico de jazz que só vive doidão e acha que "todos os partidos, religiões e associações são gangues de bandidos".

Alguns temas controvertidos são bem encaixados no romance, como a atitude do jovem casal que revira o lixo dos americanos na busca desenfreada por preciosidades como revistas em quadrinhos, garrafas de Coca-Cola vazias ou calças Levi´s rasgadas.

O livro retrata uma época em que não era preciso se gastar muito para entrar no céu. O paraíso existia de fato, representado por estrelas de cinema e uma sede de consumo tão variada quanto desenfreada. Mas enquanto o sonho americano acordava e enchia de esperanças os jovens, principalmente na retalhada Europa do pós-guerra, os mais velhos viam com indisfarçável rancor e desconfiança a brusca mudança de hábitos e costumes que o vôo da águia já causava.

Ao bater na porta dos moradores da pequena cidade francesa, Pascal Quignard trata de carregar seus personagens com doses maciças de medo e dúvida que contrariam as chamadas versões oficiais dos fatos. A idéia de uma Europa recebendo de braços abertos e sorrisos escancarados seus libertadores do Ocidente esbarra na convicção do pedreiro Ridelsky, que resolve montar uma célula do Partido Comunista em Meung e reclama: "Nós somos mortos e vivos. Somos piores que escravos, voluntários do pior".

Radicalismos à parte, "ver alguém tocar jazz foi uma iluminação" para o jovem Patrick, que, logo após beber sua primeira Budweiser, consegue uma bateria e trata de ensaiar num espaço cedido pelo padre Montret. O pároco local, aliás, também aprecia uma cerveja importada e reserva para si as melhores doses de ironia do romance. Como após ser apresentado àquela estranha coisa chamada futebol americano, com ambulâncias ao lado do campo, trajes extraordinários e toda a "confusão de uma violência impenetrável". Ao se dirigir a Patrick, o padre indaga: "Não há dúvida de que nós é que somos os marcianos, meu filho. Onde está Deus?"

As respostas não surgem, mas Pascal Quignard acertou ao restringir o turbilhão de dúvidas e polêmicas que se seguiu à Segunda Guerra Mundial à pequena cidade de Meung, dando ao romance um precioso elemento: a riqueza de detalhes. Seria apenas um pequeno estilhaço, se não fizesse parte da bomba comportamental que iria estourar no meio das "cabeças pensantes" alguns anos depois.

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