quarta-feira, 7 de maio de 2008

AS INTRIGAS DA ACADEMIA


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 20 de julho de 1996)

Sátira expõe o cotidiano mesquinho e divertido de universidade rural americana em plena era Reagan

Muu
- Jane Smiley - Tradução de Roberto Grey - Rocco, 385 páginas - R$ 37,50

Depois de percorrer as 385 páginas de Muu, a primeira imagem que vem à cabeça é a daquele maratonista que consegue enfim completar a estafante prova em 489º lugar, com a língua até a cintura e suando em bicas. Se Jane Smiley tivesse reduzido seu livro para umas, digamos, 200 páginas, teria despertado, com muito mais ênfase, a atenção para o que Muu tem de melhor: a sátira corrosiva do dia-a-dia de uma universidade rural do meio-oeste americano em plena era Reagan, com toda a série de intrigas e disputas, quase nunca leais, envolvendo personagens ávidos por interesses que passariam longe de qualquer comissão de ética e disciplina.

A autora perde muito tempo, no entanto, em detalhar certos trabalhos de cultivo do solo, o funcionamento de algumas engenhocas ou, então, as nuances burocráticas de entediantes departamentos da universidade, que agem como verdadeiros "quebra-molas" no ritmo da história. Smiley se dá muito melhor, por exemplo, na crítica debochada que faz, não apenas do cotidiano da universidade ou do já meio capenga sistema educacional americano, mas também de qualquer organização de grande porte que permita, por meios não tão legais assim, a obtenção de duas palavras mágicas em qualquer esfera de poder: fama e dinheiro.

Entre os que lutam por um lugar ao sol está o Dr. Lionel Gift, autor de frases que ilustram bem sua personalidade, como a que diz que "o caminho mais sábio para o homos economicus era cultivar a indiferença". O Dr. Gift é autor de um projeto de mineração encomendado para uma poderosa indústria nacional, que, por sua vez, reservou generosos benefícios para a universidade. Até aí tudo bem, se o tal projeto não colocasse sob risco de destruíção total a última floresta virgem do planeta, na Costa Rica.

Entre os muitos desafetos que a ambição desmedida do Dr. Gift gera está o Diretor ´X´, um homem atormentado pela queda do comunismo e que, entre outras profundas reflexões, imagina o Natal como "uma celebração permitida da voracidade". O ódio do Diretor ´X´ pelo Dr. Gift e pelo decano da universidade, Nils Harstad, só encontra paralelo em sua paixão pela professora Cecília, uma costarriquenha criada em Los Angeles. Sua figura provoca, na já maior desregulada cabela do Diretor ´X´, uma singela identificação com a ameaçada floresta virgem da Costa Rica.

Este tipo de relacionamento, seja de amor, ódio, ou obsessão, entre os principais personagens é que dá ritmo à história, apesar dos "quebra-molas". Ele chega, muitas vezes, às vias de fato, como no capítulo "Quem está na cama com quem", que dá uma arrumada geral na conturbada vida íntima dos personagens.

Logo no início do texto, no entanto, há um certo clima de Porky´s contra-ataca no ar, que envolve alguns estudantes recém-chegados no campus e ainda confusos em se adequarem aos minúsculos quartos e aos parceiros de ocasião. Alguns desses estudantes acabam ficando mesmo é sem saber o que estão fazendo numa história onde a temperatura média gira em torno de 20 graus abaixo de zero e, entre as principais distrações locais, incluem-se a criação de porcos e a invenção de máquinas agrícolas.

Como é o caso de Loren Stroop, um típico americano rosado do meio-oeste e que inventa a tal máquina que pode revolucionar a agricultura americana e, conseqüentemente, trazer muitos recursos à universidadse, envolvida sempre com cortes orçamentários. Embora ninguém sequer desconfie da maravilhosa invenção de Stroop - apesar de seus desmedidos esforços em apresentar as plantas (que ninguém sabe qual o lado de cima ou de baixo) - ele só anda com coletes à prova de balas, uma garantia contra supostos surrupiadores de projetos revolucionários alheios. E, convenhamos, indumentária indispensável num país onde brotam serial killers de tudo que é canto.

Mas se a idéia da autora é dar a Stroop uma aura de excêntrico, pode-se dizer, pelo contrário, que ele é um dos personagens mais humanos e normais do livro, se é que as duas categorias são compatíveis. Em meio a corruptos carreiristas de todos os tipos, o homem que vive com medo da CIA e do FBI (e quem não tem?) é um poço de dignidade, cuja grandeza só encontra paralelo em Earl Butz, o olhar crítico do livro, que assiste às intempéries que assolam o meio acadêmico com um relativo distanciamento.

As aparições de Butz costumam vir permeadas de uma certa melancolia e desilusão diante da vida e do rumo que a universidade tomou. São os trechos mais reflexivos do livro e seriam muito mais, talvez, se Earl Butz não fosse literalmente um porco na engorda e, como diz o pórtico de sua pocilga - "cresça ou desapareça -, cada dia mais preocupado com os destinos da universidade.

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