terça-feira, 8 de abril de 2008

DIAGNÓSTICO SEM DRAMATICIDADE


(Publicado no caderno ´Idéias´, do ´Jornal do Brasil´, em 1º de junho de 1996)

Paciente conta a sua internação em um hospício num tom tão frio quanto o de um boletim médico

Moça, interrompida
- Susanna Kaysen - Tradução de Márcia Serra - Marco Zero, 152 páginas - R$ 14


Aos 18 anos, uma jovem americana sem maiores problemas é internada em um hospício. Diagnóstico: "Distúrbio de personalidade". Uns 20 anos depois, a mesma jovem, agora em plena "idade da loba", resolve escrever sobre os dois anos em que passou internada. Diagnósticos inicial: "Abordagem superficial sobre assunto já meio desgastado".

Tudo bem que Moça, interrompida reflita uma experiência não muito agradável, vivida pela autora, Susanna Kaysen. Mas até que uns adornos literários não fariam mal. Pois juntar o comportamento iceberguiano dos médicos americanos com jovens rebeldes de famílias desajustadas não é o que se pode chamar de algo de novo no reino da Dinamarca.

Susanna Kaysen foi internada após se consultar com um psiquiatra que ela nunca vira mais gordo. A guia de internação, com todos os seus detalhes burocráticos e funcionais, abre o livro e dá início ao drama de Kaysen. A clareza com que ela narra a rotina anormal do Hospital McLean é típica de uma observadora externa, não de uma paciente. Kaysen, inclusive, aceitou com um certo conformismo a internação que sofreu e chega a admitir, lá pelo meio do livro, que "enquanto estivéssemos dispostas a continuar transtornadas, não precisaríamos arranjar trabalho ou estudar". Vale citar que a diária do Hospital McLean custava a bagatela de 60 dólares, isso sem contar exames, remédios e tudo o mais.

A situação das outras pacientes também não carrega elementos dramáticos que mereçam uma atenção maior. Tudo bem, há situações extremas, como a da mulher que ateou fogo ao próprio corpo. Na maior parte dos casos, no entanto, são crises depressivas de jovens oriundas de famílias tão ricas quanto indiferentes. Um drama, claro, atual como desvio de verba. Mas insuficiente para preencher um livro. Kausen diz que na época sua ambição era negar e que "a oportunidade de ser encarcerada era simplesmente atraente demais para que eu resistisse a ele".

Ora, para que então divulgar tantas guias de internação sobre o seu período no hospital? Se, ao que parece, a idéia é mostrar que muitos diagnósticos psicanalíticos costumam vir embutidos de erros, a intenção, nesse caso, não faz muito sentido. Pois, em determinado momento, Kaysen admite "que agora estava de fato louca e ninguém poderia me tirar dali". Isso após ter ficado em dúvida sobre a presença de ossos e vasos sangüíneos em seu corpo.

Como já foi dito, o livro se passa no final dos anos 60, uma época de franca turbulência comportamental. Kaysen e suas amigas sentem um imenso fascínio por guerrilheiros, estudantes rebeldes e líderes como Martin Luther King.

As falar de Bobby Seale, que aparece na tela de TV amarrado e amordaçado em um tribunal de Chicago, a hoje escritora Susanna Kaysen comenta: "Um homem pequeno, escuro e acorrentado, mas que tinha algo que sempre nos faltaria: credibilidade".

Se isso é uma espécie de auto-crítica, não se sabe. Mas depois de chegar à conclusão de que Kaysen foi (não foi) forçada a se internar e não estava (estava) com problemas mentais, na falta de uma opção do tipo "nenhuma das respostas acima", dá para imaginar que a escritora veio mais para "confundir do que para explicar", como diria o maluco-beleza Aberlardo "Chacrinha" Barbosa. As coisas clareiam um pouco quando a própria autora revela suas intenções: "Esse foi um dos motivos que me levaram a ser escritora: poder fumar em paz".

O Ministério da Saúde, porém, adverte...

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