terça-feira, 10 de junho de 2008

QUEBRA-CABEÇAS BRITÂNICO


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 28 de setembro de 1996)

Em doze histórias, escritor inglês monta e desmonta o texto como numa colagem refinada

Doze pistas falsas
- Jeffrey Archer - Tradução de Maria D. Alexandre - Bertrand, 336 páginas - R$ 30

O Ministério do Bom Senso já adverte: "Confiar em orelhas de livro pode ser prejudicial à saúde (e ao bolso também)". No caso de uma coletânea de contos do britânico Jeffrey Archer, no entanto, é preciso só uma vez na vida seguir o exemplo dos fumantes, que rejeitam qualquer orientação oficial. Se Archer é "um contista da classe de Alexandre Dumas", como diz o Washington Post na orelha de Doze pistas falsas, seria difícil dizer aqui. Mas basta ler apenas o último conto do livro, em que ele oferece quatro finais diferentes, para perceber que Archer monta e desmonta seu texto com a mesma naturalidade com que se desliga a TV durante o horário eleitoral.

O citado conto - "Como prefere a carne?" - é um verdadeiro quebra-cabeças, no qual o autor muda as peças da forma que acha melhor e transforma alegria em decepção e paixão em indiferença, oferecendo um cardápio de finais para todos os gostos. Isso com direito a colagens de parágrafos inteiros, que assumem significados totalmente diferentes entre um texto e outro. A história pode ser definida como uma síntese do texto claro e refinado que envolve qualquer leitor mais desavisado n0s 11 contos anteriores.

Já na primeira delas, "Erro judicial", o autor não esconde de ninguém sua aversão a clichês e detalhes irrelevantes. A velha história do sujeito que vai parar atrás das grades, sem ter culpa no cartório é acrescida de doses maciças de infidelidade e exemplos esclarecedores sobre o poder do vil metal nas motivações humanas. Ou seja, adultério e corrupção recheados de uma trama rica e variada de detalhes, ingredientes de uma receita que vai se repetir em boa parte do livro.

"Passagem proibida" é capaz de prender o leitor com mais segurança do que um engarrafamento na Linha Vermelha. Archer reserva uma surpresa a cada virada de página e não pensa duas vezes em encaminhar, passo a passo, o pobre do protagonista a um inevitável e trágico destino. Aliado a isso, acrescente-se um Saddam Hussein babando pelo sangue fresco de sua vítima.

Não são todas as tramas, porém, que mantêm o mesmo nível de adrenalina do início ao fim. Em "Sem luz no fim do túnel", por exemplo, o autor se concentra mais na caracterização dos personagens, no caso dois nova-iorquinos neuróticos, e apresenta um final tão imprevisível quanto fascinante. Esse conto, como outros oito, são "baseados em incidentes reais", ressalta Archer, e o que se percebe de imediato é a profunda sensibilidade do escritor em passar para o papel figuraças provavelmente bem íntimas do seu convívio.

Como ex-membro do Parlamento, engrossando as conservadoras fileiras da "dama de ferro" Margaret Thatcher, é difícil imaginar que o escritor não tenha se inspirado em algum de seus colegas de plenário para compor o personagem Arnold Bacon, o falastrão sem medidas de "Timeo Danaos..." A história do homem que só fala na hora errada, casado com uma mulher que só pensa em jogos de pratos, é uma autêntica comédia de costumes, talvez a trama mais leve de todo o livro.

Doze pistas falsas
acaba prestando uma merecida homenagem ao conto, lembrando toda a riqueza de estilo de um gênero considerado ainda "marginal" por algumas "cabeças pensantes" do meio editorial tupiniquim. Se não fosse por isso, a comprovação de que Archer é de fato um dos melhores textos da terra do fog e do chutão alto sobre a área recupera, pelo menos, o prestígio das orelhas de livro, que na maioria das vezes são tão sinceras quanto uma crítica feita pela própria mãe do escritor.

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