segunda-feira, 16 de junho de 2008

DIÁRIO ÍNTIMO DE UM EDITOR


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 26 de outubro de 1996)

Intriga, rancor e muita inveja envenenam os círculos literários

O original
- Jean-Jacques Fiechter - Tradução de Hortensia Santos Lencastre - Record - 160 páginas - R$ 12,90

Numa situação que pode acontecer nas melhores famílias, o invejoso editor Sir Eduard Lamb faz de tudo para arruinar a vitoriosa carreira literária de seu amigo Nicolas Fabry. O original, de Jean-Jacques Fiechter, é isso e nem um pouco mais. Da primeira à última página, a obsessão do homem "que só agrada às secretárias" se manifesta com uma fértil variedade, num texto que quase não foge da primeira pessoa e assume as feições de um conturbado diário íntimo.

Nesse monólogo de lamúrias, Sir Lamb não esconde de ninguém uma personalidade dividida entre o amor e o ódio por sua vítima preferida. Para manter o rancor em alta, Fiechter não cansa de pôr lenha na fogueira de vaidades que, invariavelmente, queima os autores de best-sellers. Especialmente, no caso, se o autor possui um carisma do tamanho de seu ego.

"Enquanto eu pegava marinheiros gregos, sem muita convicção, e publicava os textos dos outros, Nicolas andava pelo mundo, escrevia e arrebatava corações", reclama o editor Lamb lá pelo meio da história, revelando apenas ao leitor sua bissexualidade não assumida em público. Apesar de colher as glórias de ser um editor de sucesso, ele não esconde de si mesmo a amargura de não estar do outro lado, escrevendo, tirando fotos, sorrindo, enfim, esparramando seu ego a torto e a direito.

Frustrações à parte, o escritor - não Nicolas, mas Fiechter - lança um prolongado flash-back para revelar que no âmago do amor-ódio de Lamb por Fabry há uma mulher no meio. Motivado por uma obsessão passional, Lamb proporciona então a melhor parte da história, criando uma falsificação editorial impressionante.

A crueldade da Segunda Guerra Mundial é outro cenário onde os dois amigos se encontram e onde, mais uma vez, a inveja acaba tendo um efeito tão devastador quanto bombas e tiros. Um é herói de guerra, elimina inimigos e conquista os ares e os corações. O outro falsifica documentos, trabalha nos subsolos obscuros da espionagem.

O pessimismo do editor ranzinza cresce na mesma proporção do sucesso de seu recalque. Lamb não pára de reclamar da vida um minuto sequer, apesar de ser bem-sucedido e respeitado no meio editorial. O sentimento de impotência acaba gerando uma inegostável fonte de amargura e de frases depressivas no editor frustrado, obrigado a ler (e a aprovar) originais que poderiam ser seus. "Como uma babá frustrada, conheci a amargura de tomar conta dos filhos dos outros".

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