quinta-feira, 31 de julho de 2008

CHAVÕES DE UMA TELENOVELA


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 19 de abril de 1997)

Fabricante de best-sellers conta história que fica na contramão do bom-senso

Cinco dias em Paris
- Danielle Steel - Tradução de Marli Berg - Record, 256 páginas -R$ 19

Até chegar à metade, Cinco dias em Paris não difere muito do roteiro de uma genuína telenovela mexicana. Daí em diante, a história de amor contada por Danielle Steel abandona um pouco o tom açucarado, as frases feitas e as situações previsíveis para entrar num ritmo mais próximo da realidade. A trajetória do personagem principal, Peter Haskell, reflete bem o que é o livro: um primor de contradições. Embalado por chavões de tudo o que é tipo, Peter acaba chegando a diretor-presidente de um importante laboratório farmacêutico dos Estados Unidos mantendo a dignidade de um Clark Kent, “pois acreditava que se deve fazer o que é preciso e viver segundo suas responsabilidades, sem tentar pegar atalhos”.

Sua irretocável conduta só encontra desvios na falta de continuidade da história. Em poucos parágrafos, o rapaz passa do penúltimo ano na universidade para a guerra do Vietnã, volta da guerra do Vietnã para a casa do pai, sai da casa do pai e se casa com Kate Donovan, filha e herdeira do tal dono do laboratório farmacêutico e que é apaixonada por Peter.

Vinte e quatro anos e três fihos depois de uma bem-sucedida carreira, ele descobre, numa simples conversa em Paris com uma atormentada mulher, que nunca foi feliz com a esposa. A contradição e a falta de lógica seriam um pouco menores se Peter não fosse um arrojado profissional de marketing, inteligente e atento a tudo o que acontece em volta.

O festival de incoerências, no entanto, fica por aí. Mas a situação dos membros da família de Peter é resolvida de forma tão simplória e precipitada quanto possível. O pai dele, que era contrário ao casamento, morre doente. A irmã de Peter, que não gostava mesmo de Kate, acabou tendo o mesmo destino.

A autora, assim, mata literalmente três coelhos de uma só vez: o pai, a filha e a continuidade da história. Como se não bastasse, ela decide fazer uma infeliz e óbvia constatação em relação às famílias de Peter e Kate: “Parecia haver um estranho contraste entre o pessoal do campo e as pessoas sofisticadas da cidade grande”.

A trama só ganha melhores contornos a partir dos cinco dias em Paris, onde Peter se apaixona e trai a mulher. A rotina, nada digna, é claro, de um candidato a presidente dos Estados Unidos surge para dar maior coerência à trama. Mas nada tão distante da patética figura do ambicioso sem escrúpulos, cercado de puxa-sacos e que não dá a mínima para a esposa, no caso, a tal paixão repentina de Peter Haskell em Paris.

O possível lançamento no mercado do revolucionário remédio contra o câncer, que coloca em atrito Peter e o sogro, também é um atrativo a mais. Embora previsível, o crescente distanciamento de Peter em relação à esposa e ao sogro cria pelo menos um núcleo dramático, que funciona como reboque para tirar a história do lodo.

Mas a precipitação de Danielle Steel acaba atacando novamente, como na explosão de raiva do sogro contra Peter e a indiscreta aparição de Olívia, uma mulher mais sigilosa do que emissão de títulos públicos. Estes e outros desvios levam a história seguidas vezes para a contramão do bom-senso. A autora, no entanto, em vez de voltar e buscar o caminho certo, prefere seguir em frente, o que talvez explique as constantes colisões do romance.

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