PEQUENOS CRIMES DE UMA CRIANÇA
Fugindo aos clichês das autobiografias, escritor fala sobre sua infância marcada pela delinqüência
O despertar de um homem - Tobias Wolff - Tradução de Ana Luiza Dantas Borges - Rocco - 242 páginas - R$ 26
Tobias Wolff teve muita sorte em não ter nascido no Brasil. Pois se fizesse por aqui metade das arruaças que descreve em seu livro de memórias, já estaria bem alojado num desses reformatórios de menores que existem por aí. Pelo que dá a entender, "o despertar como homem" de Wolff não passou de um imenso tédio, quebrado apenas pelos constantes surtos de delinqüência que o dominavam. O autor não faz a menor cerimônia em relatar a extensa de série de delitos que cometeu, a ponto de afirmar, convicto, a certa altura do livro: "Eu era um ladrão".
A cleptomania que se apoderou dele é relatada como coisa comum entre a juventude americana dos anos 50, espremida entre uma guerra que mudou o panorama político mundial e a explosão do rock, com toda aquela revolução comportamental que já estamos carecas de saber. A figura de Dwight, o padrasto, dá o tom dramático do texto, com a presença autoritária e irracional de um típico roceiro americano, sutil como uma britadeira.
Dwight é um personagem com excesso de reservas imorais, politicamente incorreto e extremamente violento. Dirige embriagado à beira de um penhasco, obriga o afilhado a esfolar a mão descascando centenas de castanhas, atropela um indefeso castor e levanta a mão para o primeiro com quem discute.
O autor descreve bem a vida na gelada e obscura Chinook, com um homem insuportável, uma menina enjoada e um insosso casal de irmãos recém-saídos da adolescência. Já não se pode dizer o mesmo quando Wolff abandona esta linha para imprimir, digamos, reflexões existencialistas: "Mas não podia aceitar que ele soubesse que eu não era a pessoa que tentava com tanto esforço dar a impressão de ser".
O mais curioso é que, em nenhum momento do livro, o jovem Tobias Wolff manifesta aspirações literárias. Chega a escrever alguns textos e mostra ao irmão, sem muito interesse, mais preocupado que estava em jogar ovos nos carros e pedras nas janelas. Estudar não era mesmo um verbo muito freqüente em sua vida. Para passar nas difíceis provas da escola preparatórias, o relapso aluno e futuro escritor recorreu a uma falsificação digna de impressionar qualquer anão do orçamento.
Em que parte da vida Wolff realmente chegou a ser realmente um escritor, o livro não diz. Mas com certeza foi bem depois de seu despertar como homem, um despertar que foge ao clichê dos livros de memórias usuais e não apresenta iniciação sexual com a empregada. Sobra mesmo é um singelo beijo na boca de Arthur, um colega de infância com quem Wolff havia brigado por tê-lo chamado de maricas.
O autor não guarda lá memórias muito lisonjeitas dos homens. Além de Dwight e de seu pai, que morava longe, surge para completar essa trilogia do mal o paizinho, o carinhoso apelido de seu avô, um homem que espancava a mãe de Wolff quando criança apenas para que ela pensasse sobre isso.
A trajetória familiar de Wolff é um pouco confusa, como já deve ter dado para perceber. A coisa talvez até fosse pior se ele tivesse conseguido resolver uma das frustrações de sua juventude. "Se tivesse morado em um lugar em que as drogas fossem vendidas, eu teria comprado. Teria feito qualquer coisa para consegui-las".
Frustrações à parte, o mérito do autor talvez seja o de contar suas memórias da maneira mais honesta possível, embora em certos momentos seja cansativo ver tanta delinqüência. Diferente de muitos advogados de defesa por aí, ele não foge do inevitável. Em nenhum momento do livro, pede desculpas pelo que fez e mostra que errar é mais humano do que parece.
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