quarta-feira, 13 de agosto de 2008

CONSPIRAÇÃO POLÍTICA E SEQÜESTRO DE HIPOPÓTAMOS EM ROMANCE ARGENTINO


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 30 de agosto de 1997)

Trama do escritor Mempo Giardinelli zomba do poder de influência da mídia

Impossível equilíbrio
de Mempo Giardinelli. Trad. de Tabajara Ruas. Editora Record, 219. R$ 21

Além de devorarem a vegetação daninha, promovendo o equilíbrio ambiental, os hipopótamos também são capazes de provocar grandes crises políticas. O que poderia ser uma alusão a ministros gordos e pachorrentos é aqui o pretexto para o escritor argentino Mempo Giardinelli zombar do poder de influência da mídia e da tendência ao ridículo que toda autoridade carrega no íntimo.

A importação e o seqüestro de quatro hipopótamos é o ponto de partida para uma conspiração que mexe com os brios das autoridades argentinas. O autor dá forma e vida ao lixo cultural, com as camisetas “I love Hippos”, o refrigerante “Hipo-Cola” e o bar “Hippo-Pub”, numa série de futilidades que dariam inveja a muitos pop-stars menos simpáticos do que os citados paquidermes. “Toda novidade é sempre suspeita”. A frase, que pode ser usada como antídoto para os porta-vozes da vida, ilustra o momento em que surge a brilhante idéia de se importar os animais. Eles são trazidos pelo governo da Província do Chaco para promover o tal equilíbrio do meio-ambiente.

Exagero de gestos dá um tom espalhafatoso à cidade

O seqüestro é planejado nos bares de Resistência, cidade natal do autor, bem na fronteira com o Paraguai. Lá se reúnem de escrivões e ex-guerrilheiros a uma legião de desocupados. Para dar voz a toda essa gente, são gastas páginas e mais páginas de diálogos muitas vezes cansativos, repletos de palavrões desnecessários e com espaço para algumas piadinhas sem graça. O La Estrella é o ponto de encontro onde são emitidos “juízos de valor vomitivo”. Amargura, desilusão e conspiração política disputam espaço com amendoins, cafezinhos e boas doses de uísque e ironia. Os moradores mais saudosos costumam se lembrar do morcego Carlito, que um dia fez um looping arriscado dentro do único cinema da região e se chocou com a peruca da mulher do governador, quase provocando uma crise política de grandes proporções. O exagero proposital de gestos e expressões dá um tom espalhafatoso ao dia-a-dia dos moradores de Resistência.

Já quando o texto parte para uma descrição minuciosa da vida animal na região (ou se perde em intermináveis aulas de geografia sobre o Chaco), o interesse pela trama afunda como um hipopótamo na água. As semelhanças e a afinidade com este “impossível equilíbrio” não são, nem de longe, meras coincidências. Obras inacabadas que enriquecem construtoras, apadrinhamento, miséria e desemprego ocorrem em vários ritmos, do tango ao samba, passando pela habanera. A diferença é o idioma, a bandeira do Boca Juniors estendida no bar ou o sujeito que perdeu o olho na Guerra das Malvinas.

Entre nuvens de mosquitos, estradas enlameadas e um calor de rachar concreto, a história também ganha seu lado on the road. Os seqüestradores de hipopótamos percorrem as ruas e charcos argentinos a mais de cem por hora, perseguidos por um mundo de gente fardada. Daí para frente, a confusão de informações é a normal de qualquer assunto envolvendo segurança nacional. “A gente já não sabe se as coisas realmente acontecem ou se acontecem quando estão na TV”.

O alter ego de Giardinelli é o jornalista Cardozo, praticamente o narrador da história e amigo de Rafa, um dos poucos personagens que falam alguma coisa que preste na rotina do La Estrella. É no linguajar sujo da mesa do bar que o velho professor de literatura, beberrão e desencantado, destila constatações que misturam raiva, desabafo e frustração. “Porque um escritor é diferente de uma pessoa que publica livros, pelo amor de Deus!” As semelhanças, como foi dito, não são meras coincidências.

1 Comentários:

Às 28 de agosto de 2008 às 14:35 , Blogger Thiers Rimbaud disse...

Adorei essa conspiração política, sequestros de hipopótamos.. etc etc.. e tal.. ah! imagine...rs
.......
O autor dá forma e vida ao lixo cultural, com as camisetas “I love Hippos”, o refrigerante “Hipo-Cola” e o bar “Hippo-Pub”, numa série de futilidades que dariam inveja a muitos pop-stars menos simpáticos do que os citados paquidermes.
...........
Acho essa qstão de esculhambar além de surreal, salutar.. desde criança ouço.. 'quem não tem cão caça com gato'.... é isso mesmo se vc não tem poderes vc cria situações que amenizem seu espaço -tempo e nada melhor do que criticar e rir. Pelo menos desopila..

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial