terça-feira, 5 de agosto de 2008

MOCINHOS E BANDIDOS UNIDOS


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 24 de maio de 1997)

História que junta humor mórbido e crimes violentos vai virar filme pelas mãos de Tarantino

Ponche de rum
- Elmore Leonard - Tradução de Léa Viveiros de Castro - Rocco, 276 páginas - R$ 27

Houve um tempo em que Papai Noel existia, o América era campeão carioca e as histórias policiais não fugiam muito da eterna briga entre o elegante mocinho e o irrecuperável bandido. Hoje, o bom velhinho se divide entre prestrações e cheques pré-datados, o América não tem nem estádio e histórias como Ponche de rum mostram que mocinhos e bandidos cada vez se identificam mais em seus atos política e socialmente incorretos.

Que o diga um dos nomes mais badalados desta safra de roteiros e romances para lá de estranhos. Quentin Tarantino não perdeu tempo, chamou o ex-rambo Silvester Stallone e vai levaar a trama de Elmore Leonard para a tela grande. As semelhanaças com Pulp Fiction não são mera coincidência. Mesmo sem se destinar a ser um pocket book, a história de Leonard vem temperada com os mesmos ingredientes: drogas por toda parte, falta de escrúpulos e um humor mórbido, que se manifesta por diálogos absurdos em meio a crimes tão violentos quanto o novo salário mínimo.

Os personagens são envolvidos numa linguagem rápida e de muitos diálogos, a maioria ríspidos como a rotina do submundo da Flórida. Quem manda na área é Ordell Robbie, um traficante de armas que usa gangues de pivetes viciados para os trabalhos mais sujos. É em torno dele que gira a história. O autor mostra que está por dentro das páginas policiais e enriquece seus casos com descrições de tudo o que é tipo de arma, além dos curiosos pseudônimos das operações criminosas, como Boca Livre, Tiro ao Peru e o que dá nome ao livro.

Nesta fauna variada, ninguém é de ninguém. Os casais vivem brigando, os amigos se matam e os resquícios de afeto que surgem aqui e ali se encontram sempre sob nuvens de suspeita. As inúmeras brechas da Justiça garantem o emprego de Max Cherry, o fiador profissional que tira da prisão os maus elementos da história.

Não há, no livro, nenhuma família com qualquer resquício de estabilidade emocional. Cada um descarrega seus vícios, lamúrias, carreiras frustradas e lliberdades condicionais da forma mais convicente possível. Max Cherry e Jackie Burke, que poderiam formar um lindo casal em um livro de Sidney Sheldon, aqui não passam de dois possíveis candidatos a vagas em um reformatório.

O humor, que acompanha a vida bandida dos personagens, é daquele tipo que pode acabar com um tiro antes do fim da piada. O tal contrabandista de armas, Ordell Robbie, é considerado um idiota por uma de suas garotas, Melanie. Tudo porque acompanha as palavras com os dedos enquanto lê. "Mexe com os lábios", acrescenta Melanie, uma mulher que conseguiu passar mais de 10 anos da vida se bronzeando e lendo revistas.

A vida, aliás, para essa turma aí é um poço de preconceitos, chegando a extremos como nas manifestações dos neonazistas que abre o livro, ou no cotidiano das gangues do sub-mundo, que odeiam as outras e a si mesmas com a naturalidade de um árbitro que inventa um pênalti. Neste circuito fechado, mais imundo do que aquela água que cai do caminhão de lixo, o respeito à vida do próximo só vai até onde este pode ser útil. A partir daí, tudo pode acontecer, até mesmo sair vivo para contar a história.

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