segunda-feira, 11 de agosto de 2008

HISTÓRIAS DE SOMBRAS E DE CRIMES


(Publicado no caderno "Idéias", do "Jornal do Brasil", em 13 de dezembro de 1997)

Antologia que reúne velhos e novos mestres do suspense inaugura série dedicada à literatura noir

Noir americano - uma antologia do crime, de Chandler a Tarantino
- Tradução de Claudia Costa Guimarães, Ronaldo de Biasi, Alves Calado, Sylvio Gonçalves, Leonardo Nahoum e Marcos Santarrita - Record, 416 páginas - R$ 30

Para os 20 escritores reunidos em Noir americano, o crime compensa. E muito. Graças a ele, o que poderia ser um bando de desconhecidos se transformou em um grupo seleto, que representa o que a literatura americana tem de melhor em histórias policiais. De Raymond Chandler a Quentin Tarantino, passando por Dashiel Hammett e até Stephen King, nenhum deles poupa sangue, tiros, navalhadas, mulheres fatais e, é claro, detetives – a maioria sem respeitar qualquer código de ética. Nesta reunião de autores barra-pesada, criadores e criaturas se confundem e muitas vezes a ficção acaba tendo muito mais a ver com a realidade do que se pensa.

É o caso de James Ellroy, um ex-viciado em álcool e drogas (leia texto abaixo). O detetive criado por ele é um prato cheio para qualquer comissão de Direitos Humanos, age no ritmo dinâmico do autor e não costuma pensar duas vezes antes de resolver seus casos. “Chutei-o nos bagos, segurei sua barriga dobrada ao meio, empurrei e bati sua cabeça no portal.”

Com tanta gente do mal reunida, foi preciso dividir o livro em três blocos bem sugestivos: Tiras e agentes federais, Gângsteres e o que abre a coletânea: Detetives durões. Um dos que justificam este rótulo é Race Williams, um sujeito bruto, mas que se tornava sentimental com mulheres em apuros. Bonito, não? Pois é isto também o que acontece em O feitiço do Egito, a contribuição de Carroll John Daly para este livro. Daly também surgiu, como boa parte dos autores desta coletânea, na Black Mask, a revista que se tornou cult para os amantes de histórias do gênero. Williams alterna sentimentos de piedade e ternura com um perfil psicológico que faria inveja ao Bandido da Luz Vermelha. “Não me encanto nem me assusto com facilidade, e sou quase que inteiramente desprovido de nervos.

Race Williams acabou sendo, de certa forma, um pouco ofuscado por aquele que seria talvez o mais cultuado dessa turma. Afinal, é de Dashiell Hammett O falcão maltês, a história que imortalizou a cara dura de Humphrey Bogart na pele do detetive Sam Spade. O conto que aparece aqui – Incêndio criminoso e mais alguma coisa – é ainda uma criação anterior, também surgida na Black Mask em 1928, cinco meses depois de Race Williams, e quando surge o detetive Continental Op. Gordo e de meia-idade, ele segue à risca o estilo de seu autor e parte para uma investigação clássica, sem desperdício de sangue e expressões chulas.

Já os policiais que passam para o outro lado têm seu espaço garantido no texto de David Goodis. Sua criação, o detetive Al Reid, é expulso da polícia de Nova York e não tem o menor escrúpulo em se juntar a mafiosos e gângsteres da pior espécie. Em Um cadáver metido a esperto, a violência em estado bruto, com direito a machadadas – “Ergueu os punhos, praguejando enquanto cuspia sangue e dentes” – surge aliada a comentários espirituosos sobre a natureza humana. “Com um rosto como esse, pensou Renner, um homem não podia permanecer honesto”.

Quem não perde muito tempo em considerações desse tipo é Elmore Leonard. O veterano escritor prefere pesquisar o ambiente não muito convidativo das ruas de Detroit. Tanta dedicação resulta em um estilo coloquial, enriquecido pela descrição minuciosa das gangues de rua. Em Saideira, seu homem da lei Chris Mankowski se vê às voltas com um bandidão sentado numa poltrona prestes a explodir. Leonard tempera a tensão de suas histórias com um humor corrosivo e sarcástico.

O penetra ilustre desta coletânea é Stephen King. O quinto pedaço, escrito em 1972 sob o pseudônimo John Swithen, foi sua estréia no gênero. Já com aquelas costumeiras doses de suspense que o deixariam famoso, sua primeira história policial é bem descritiva e, às vezes, um pouco exagerada: “O rosto de Keenam era como uma lua vagando em uma estratosfera de tensão”. Apesar disso, King reúne poucos personagens e ambientes em um texto conciso e, como não poderia dexar de ser, violento. “Estava morto, mas continuei a chutá-lo até sua cabeça transformar-se em uma massa sangrenta e não sobrar nada para identificá-la, nem os dentes”.

Agora é hora de falar daquele que despertou o interesse nos anos 90 para os escritores de histórias pulp. Quentin Tarantino, que aos 27 anos filmou Cães de aluguel, participa com o conto O relógio, um primor de objetividade e linguajar não aconselhável para fãs de best-sellers. Em apenas uma página, são passados a limpo alguns dos grandes dramas americanos do século. Para quem pensa que o negócio é sério, é só se lembrar do maior sucesso do autor, Pulp fiction. O relógio está lá também, muito bem guardado, por sinal.

Embora autores do porte de Lawrence Block tenha ficado de fora, os variados estilos reunidos em Noir americano não deixam dúvida da qualidade desta literatura, mutias vezes amaldiçoada. Os livrinhos de bolso, onde cabiam dezenas de histórias, não ajudavam muito com suas capas sebosas e qualidade gráfica discutível. Assim como a geração beat, que sofreu com edições cada vez mais raras de suas obras, o eterno sucesso do gênero policial, com as histórias mais atuais do que nunca, prova a qualidade indiscutível destes autores que atiram primeiro e não perguntam nada depois.



Livro de Ellroy também integra a nova coleção

James Ellroy, que assina um dos contos incluídos na antologia Noir americano é também o autor do romance Los Angeles - Cidade proibida (tradução de Ivanir Calado, 544 páginas, R$ 30), segundo título da Coleção Negra, publicada pela Record. Estrelada por Kim Bassinger e Kevin Spacey, a versão para o cinema está em cartaz no Rio. O livro de Ellroy se passa na Los Angeles dos anos 50, onde três policiais acabam envolvidos no caso da morte de um colega, Buzz Meeks, assassinado depois de roubar 150 mil dólares, 12 quilos de heroína e a namorada do chefão de uma quadrilha.

James Ellroy, uma das maiores estrelas do novo romance policial americano, tem uma briografia que parece sintetizar todos os clichês do gênero. Nascido em 1948, aos 10 anos teve a mãe assassinada - estrangulada com uma meia de náilon. Passou a infância nas ruas, sendo preso 35 vezes por pequenos delitos. Foi salvo das drogas e do álcool pelas histórias de Raymond Chandler, que despertaram nele sua verdadeira vocação. Neste ano, Ellroy publicou o livro My dark places - An L.A. crime memoir, no qual retoma a investigação do assassinato da própria mãe e revisita os locais associados à história.

Um dos próximos títulos da Coleção Negra da Record será seu livro Noturnos de Hollywood. Ellroy não prima pela modéstia. "Eeu tenho um objetivo: ser o melhor escritor de histórias policiais de todos os tempos", disse. Ou ainda: "Quero ser o Tolstoi da minha geração - um autor aliás que nunca li". Os outros romances de Ellroy são American Tabloid e Black Dahlia.

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