BRINCADEIRA QUE CARECE DE RITMO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 26 de junho de 1999)
Jogos com clichês emperram a narrativa de ´Modelo para morrer´
Modelo para morrer, de Flávio Moreira da Costa. Editora Record, 190 páginas.
Dizem que uma das melhores coisas da vida é unir trabalho e prazer. Para o escritor, é óbvio que isto se traduz em escrever sobre o que se gosta. A fórmula, no entanto, nem sempre é bem sucedida. Quando idealizou e coordenou o ótimo "Crime à brasileira", com textos que iam de Lima Barreto a Machado de Assis, Flávio Moreira da Costa provou que é apaixonado pelo gênero policial e entende do assunto, como já havia demonstrado também ao aplicar as gírias da bandidagem em "Malvadeza durão". Mas em "Modelo para morrer", ele alterna os capítulos da trama com dispensáveis reflexões sobre o que está escrevendo. Para o gênero no qual o ritmo anda de mãos dadas com o suspense e a surpresa, é um erro.
Flávio abusa da metalinguagem, este bate-papo com o leitor que só funciona de forma sutil e original, evitanto frases feitas ("Para morrer, basta estar vivo") ou de estilo duvidoso ("Eu sou o jóquei e a história é o cavalo ou será o contrário?"). Tudo isso se amontoa no caminho do jornalista Dick Holmes, que se depara com uma modelo morta em seus braços.
Com a bagagem de Flávio, acumulada não só nos bons livros do gênero que escreveu, como também na experiência em jornais e revistas, dá para perceber que os clichês são propositais. Nenhum autor de qualidade escreve "o negócio é o seguinte, dezenove não é vinte" impunemente. O grande enigma do romance, portanto, é descobrir qual o motivo dessas inserções, já que não acrescentam nada à trama.
O alter-ego de Flávio é Wallace Jones. É ele quem escolhe o nome do protagonista: Dick Holmes, não muito original, porém menos estranho do que o fato de o livro que abre a coleção de romances policiais brasileiros se passar em Nova York. E é lá, no coração do mundo (pelo menos financeiro), que o nosso intrépido Dick mistura citações sofisticadas que vão de Scott Fitzgerald a Cole Porter com frases do tipo: "Apenas constato, e não me venham chamar de alienado que o buraco é mais embaixo".
Já perto do final, o próprio Jones promete dar uma melhorada na trama. E A história até poderia tomar um rumo melhor quando entram em cena personagens como o traficante Brother Jam, que some de repente, após tanto suspense criado em torno dele.
A trama se centraliza em Dick Holmes, um personagem confuso e com uma motivação exagerada para desvendar o crime. O diálogo dele com os policiais que vão recolher o corpo é uma mistura de piadas de "A praça é nossa" com "Loucademia de polícia". A única pista concreta que possui é fornecida por Eve DeForrest, colega da modelo. O final, como não poderia ser de outro jeito, é previsível.
Como a história se passa em 1986, Wallace Jones faz diversas referências à época, como, por exemplo, ao fio dental: "Nádegas à direita, nádegas à esquerda, nádegas na frente e atrás da gente - bundinhas e bundões para todos os gostos". Diante desta descrição, não é exagero dizer que as letras de pagodaxé se assemelham a pequenas obras-primas.
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