sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A COMPLEXA VIAGEM DE GORE VIDAL PELOS VASTOS CORREDORES DA HISTÓRIA AMERICANA


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em seis de março de 1999)

´Fundação Smithsonian´ exibe a habitual ironia do escritor ao tratar de política

Fundação Smithsonian
, de Gore Vidal. Tradução de Roberto Grey. Editora Rocco, 272 páginas. R$ 25

Em seu 24º romance, o escritor americano Gore Vidal viaja mais uma vez pela História de seu país, um terreno que conhece como poucos. O percurso, que se revela bastante acidentado, tem início na Fundação Smithsonian, o maior conjunto de museus do mundo. É lá, no coração de Washington D.C., que o estudante T., de 13 anos, mergulha num universo para lá de sobrenatural, com bonecos de cera ganhando vida e a possibilidade de se voltar no tempo. Vidal esbanja ironia ao dar vida a antigos presidentes, quase todos retratados como energúmenos, e suas assanhadas primeiras-damas, num cotidiano que faria Bill Clinton corar de vergonha, ou de inveja.

O ano é 1939, às vésperas do maior conflito de todos os tempos. Tudo se torna relativo, inclusive a própria certeza da guerra, quando T., um pequeno gênio que visualiza os efeitos práticos de qualquer equação de física quântica, entra na Fundação numa sexta-feira santa. "Se a História reside nos detalhes, então é impossível haver História, pois quem poderia conhecer esses detalhes sem ter estado lá de fato?" T. vai conhecê-los de perto, ansioso por evitar uma guerra e apaixonado por uma índia Squaw que ele conheceu na Mostra dos Primeiros Índios e que lhe tirou a virgindade.

A manipulação de peças no
quebra-cabeças da História


A confusão começa quando T. percebe que pode estar em vários lugares e épocas simultaneamente, da mesma forma que os ilustres mortos expostos no museu. Assim, ele continua na escola de St. Albans, enquanto permanece na Fundação, desenvolvendo estudos para a bomba atômica e influenciando nomes como Einstein, Oppenheimer e Charles Lindbergh. T. Fica mais confuso quando descobre uma cópia sua, feita de cera e prestes a entrar em exposição, na farda de um fuzileiro naval que será morto na guerra. A Squaw pela qual ele está apaixonado também assume, no passado, o papel de primeira-dama do presidente Grover Cleveland. "Você não é o mesmo eu que encontrei há alguns minutos, nem eu sou aquele que eu era".

Mas se a trama é complexa, também é fascinante a possibilidade de se mexer no quebra-cabeças da História, trocando peças essenciais e vendo qual é o resultado. O garoto até que consegue, auxiliado, é claro, pela vasta imaginação de Gore Vidal quando o objetivo é ironizar os políticos de seu país. T. e Squaw evitam que Woodrow Wilson seja eleito presidente e, assim, os EUA não entram na Primeira Guerra Mundial, que termina em 1916.

Sem o nazismo e o rancor dos derrotados, sem Hitler, que na verdade é um arquiteto judeu amigo de Einstein, a Europa, com Leon Trotsky na presidência da União Soviética, fica calma. Mas T., com sua cabeça genial para fórmulas e um desejo ardente pela paz, não pôde pensar em tudo. E se esqueceu do Japão. O ataque a Pearl Harbor é realizado, um ano mais cedo e mais violento, sobrando uma bomba até para a Califórnia. O Japão e seu imperialismo precisam ser combatidos. Com isso, o cogumelo atômico brilha com mais intensidade nos visores das máquinas operadas por T. na Fundação.

O final otimista, com toda a simbologia da Páscoa e da ressurreiçao, não esconde a profunda questão existencialista que se infiltra pelas críticas e ironias políticas: "Na verdade, nada há de mais doce neta vida para o homem do que vir a conhecer e salvar a si mesmo".

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