A PAIXÃO DE UM ESTUDANTE POR UM ESPELHO DE FOUCAULT
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 20 de fevereiro de 1999)
Escritora recria em personagem o filósofo francês rebelde, iconoclasta e sem limites que fascinava os alunos
Alucinando Foucault, de Patricia Duncker. Tradução de Duda Machado. Editora 34, 192 páginas. R$ 22
Se Patricia Duncker acredita no escritor francês Paul Michel, ela trabalhou em sua premiada história com "o desespero dos condenados". Pois para seu principal personagem, que também afirma serem os escritores, de um modo ou de outro, malucos, este é o estado em que se encontra um autor durante seu primeiro romance. Participante ativo dos movimentos estudantis de 1968, homossexual e internado num hospício, Michel fala de loucura, sexo, crime e morte, numa linguagem próxima da utilizada por seu xará mais famoso, e também sua grande paixão, Foucault.
"Você capta a matéria da história, eu capto a substância crua do sentimento", diz ele a seu mestre, numa carta que nunca foi entregue, detalhe que não interessa, já que a premissa básica é a de que "o amor entre um escritor e um leitor nunca é celebrado".
Autora consegue escapar das
armadilhas da arrogância
O narrador da história, um jovem estudante de Cambridge, não concorda muito com essa teoria. Prestes a desenvolver uma tese sobre Paul Michel, ele parte em busca de seu escritor, internado há anos num hospício da França. Quem o convence é a namorada, uma estudante prática e intimidativa, personagem tão bem desenvolvida quanto o pai bissexual, um rebelde dos anos 60 e que usa um avental com o lema "O porco chauvinista de hoje será o bacon de amanhã". Neste ponto, Patricia, uma professora nascida nas Antilhas e que ensina teoria literária na Inglaterra, consegue evitar as armadilhas da arrogância que envolvem boa parte das histórias sobre intelectuais franceses, principalmente pela originalidade de sua trama, uma aproximação entre autor e leitor que vai bem além das noites de autógrafos.
Para a escritora, essa relação acaba invariavelmente na cama. O bom humor e sutileza que ela esbanja por todo o livro esbarram na linguagem para lá de grosseira, usada para narrar as cenas de amor entre Paul Michel e o tal estudante, chamado de petit pelo escritor. O fascínio que vai cativar qualquer um que tenha seu escritor predileto se esvai rapidamente e chega a ser patética a situação do estudante, cuja paixão desesperadora encobre as belas intenções do início e leva a uma profusão de frases e gestos infelizes. Apaixonado por um homem com o dobro da sua idade, encrenqueiro, fumante inveterado, michê nas horas vagas e que gosta de brincar com a morte, a razão e serenidade que faziam parte de sua vida são atropelados pelos gestos inconseqüentes de Paul Michel.
Parte da obra do filósofo
é utilizada no livro
À medida em que a autora aproxima o estudante de seu escritor, numa peregrinação pela França cheia de suspense e rostos fechados, ela aproxima o leitor dela de Michel Foucault. Parte da vasta obra do escritor, morto em 1984, está lá, nas cartas que nunca foram enviadas, nos esquizofrênicos que perambulam pelos imaculados corredores de um hospício e, principalmente, na paixão atroz de Paul Michel, capaz de levá-lo a violar sepulturas, e em seu pessimismo diante das instituições, o que o leva a isolar-se e a viver como um nômade.
"Alucinando Foucault" é uma história tensa, como a própria paixão. O caráter autodestrutivo de Paul Michel apenas alimenta o medo que seu leitor sente de perdê-lo, principalmente depois que ele pensa tê-lo sob domínio, uma ilusão que leva, quase sempre, ao desespero dos apaixonados.
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