PATRICIA CORNWELL ESCORREGA NOS CLICHÊS
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em cinco de junho de 1999)
Apesar dos estereótipos, novo romance policial da autora mantém o leitor atento
Post-Mortem, de Patricia Cornwell. Tradução de Celso Nogueira. Editora Companhia das Letras, 34 páginas, R$ 27
Há um crime que mesmo bons autores de histórias policiais costumam deixar impune: o estereótipo, vulgo lugar-comum. Por mais que se esforcem em criar tramas envolventes, personagens enigmáticos e uma linguagem original, há sempre o risco do previsível. Autora consagrada no gênero, Patrícia Cornwell até que sabe disso, e bem. Mas em “Post-Mortem” ela abre generoso espaço para o policial durão e cínico de sempre, que menospreza a eficiência profissional feminina, e a médica dedicada e fria, que vive para o trabalho, não tem muito jeito para homens e não suporta policiais durões e cínicos.
Um brinde se você adivinhou que os dois terão de trabalhar juntos. E outro se você descobriu que eles procuram um serial-killer, este personagem tão popular no cotidiano americano e infelizmente tão banal quanto o hambúrguer e a torta de maçã.
A obsessão pela pesquisa e pelos detalhes
A história, que se passa em Richmond, na Virgínia, tem bons momentos quando a autora dá prioridade aos encontros e desencontros da investigação policial, em vez dos excessivos detalhes da legista Kay Scarpetta, que não vão assustar um público acostumado a programas de TV escatológicos. Entre cortes incisivos, crânios expostos, secreções e suturas, a preocupação de Cornwell em mostrar que foi a fundo na rotina de trabalho de um necrotério revela uma obsessão semelhante a escritores como Michael Crichton, que se debruçam em exaustivas pesquisas para seus best-sellers e que podem variar tanto sobre dinossauros quanto bactérias espaciais.
A dificuldade em se obter pistas do homicida em série, que mata a quarta mulher em dois meses logo no início do livro, leva a doutora Scarpetta a um desencanto e pessimismo profundos em relação às pessoas – exceto sua sobrinha Lucy, uma complexada menina de 10 anos – e uma dificuldade em entender as incongruências da condição humana: “Mortes violentas são um espetáculo público”.
O único legista sentimental da história é homossexual. O procurador de que a doutora Scarpetta gosta é bruto na cama e cheio de mistérios. Isso sem falar em Pete Marino, o policial cínico e durão, que faz piadas com os corpos de mulheres mutiladas. Resta o maníaco, que é visto pela doutora com um misto de ódio e fascínio, já que, ao mesmo tempo em que analisa os estragos feitos nas vítimas, admira a forma como ele ludibria a polícia e estabelece um método para sua loucura: “Os psicopatas são os Rembrandts do homicídio”.
Com pessoas lidando com a morte e o medo o tempo todo, Patrícia Cornwell não aprofunda os perfis psicológicos que esboça tão bem e prefere optar pela praticidade óbvia das descrições técnicas. À medida que o livro se aproxima do final, no entanto, as pistas não se revelam nada previsíveis e os personagens ganham dinamismo, como se estivessem saindo de uma preguiçosa manhã de segunda-feira. A escritora mostra sua habilidade em resgatar fatos e suposições deixados lá para trás e que ganham agora um sentido no desfecho.
Psicopatas divididos em dois grupos
Há reflexões no livro que, se lidas com atenção, podem reformular conceitos e definições sobre criminosos. Como a do especialista em perfis psicológicos, Benton Wesley, que separa os psicopatas em dois grupos, o do mal, do qual fazem parte os “Neros e Hitlers”, e o do bem, que inclui “espiões formidáveis, heróis de guerra, generais de cinco estrelas, bilionários no comando de grandes corporações e James Bonds”.
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