DUPLA QUENTE EM TRAMA ÁGIL DE TIRAR O FÔLEGO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 23 de fevereiro de 2002)
Patrick e Angie, criações de Lehane, atuam numa Boston dominada por gangues, políticos corruptos e contrabandistas
Um drink antes da guerra, de Dennis Lehane. Tradução de Luciano Vieira Machado. Editora Companhia das Letras, 304 páginas. R$ 29,50
A vida de um escritor de romances policiais depende muito de seus heróis e vilões. Se dão certo, é inevitável que voltem em outros livros. Se não funcionam, desaparecem e muitas vezes levam junto seu criador, que é obrigado a mudar de profissão. Não foi o caso de Denis Lehane. O casal de detetives Patrick Kenzie e Angie Gennaro funcionou bem logo neste seu livro de estréia no gênero policial, lançado nos EUA em 1981, e lhe renderia mais quatro histórias.
O universo do livro é o das gangues de Boston no início dos anos 80. Um misterioso envelope roubado do escritório de um senador por uma faxineira e um projeto de lei contra os arruaceiros que fica emperrado dão partida à trama, conduzida pelo casal de detetives, que vivem uma paixão reprimida, principalmente devido à insistência da bela Angie em manter o casamento com um sujeito que a espanca pelo menos duas vezes por mês. “É duro fechar a porta da esperança quando se ama alguém”.
Neste livro, o autor deixa claro que a culpa é dos pais. Tanto o bandido quanto o mocinho sofreram nas mãos dos genitores quando crianças. O pai do detetive esfregou o ferro de passar roupa na sua barriga e o pai bandidão do menino que um dia seria chefe da gangue arrancou o filho dos braços da mãe e o levou para um senador corrupto satisfazer seus desejos mais bestiais.
Geralmente os personagens principais de um livro policial possuem algum ponto fraco. Patrick Kenzie, além da cicatriz na barriga, atira mal e sofre com a paixão não correspondida por Angie. E sua sócia, além de apanhar do marido, não sabe o que sente por Patrick. Para dar um toque exótico ao trabalho dos dois, o escritório fica no campanário de uma igreja.
Lehane é bom em diálogos e em cenas violentas, sempre relatadas com uma pontinha de ironia. Todo mundo apanha muito no seu livro. Patrick frequentemente está baleado, de queixo deslocado com hematomas por todo o corpo. Algumas cenas, como a da tortura de um informante da polícia, deixariam de estômago embrulhado até os veteranos repórteres daqueles jornais que saem sangue quando espremidos.
O autor não garante nenhum lugar seguro em seu livro, nem mesmo num movimentado centro comercial. Além do ritmo ágil dos diálogos, da boa caracterização dos personagens e da trama que prende o fôlego, Lehane escreve bem e faz algumas análises mais do que atuais sobre a situação política e social. “Toda a desgraça deste país é que está cheio de pessoas más, infelizes, confusas, de saco cheio, e já não existe ninguém que tenha a inteligência de encarar honestamente a própria situação”.
O personagem mais à vontade em toda a trama talvez seja Bubba. "Ele tem 1,90 metro de altura, por 105 quilos de adrenalina bruta e de raiva difusa". Contrabandista de armas, oferece proteção aos detetives, gosta de bonecos de Freddy Krueger, lê a revista "Receitas do anarquista", com dicas para se fabricar uma bomba de hidrogênio no quintal, e fica furioso quando o impedem de eliminar algum desafeto. Nos vingativos tempos pós-11 de setembro, talvez Bubba represente o ideal do "herói americano" mais próximo da realidade hoje.
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