GORE VIDAL MOSTRA QUE É O MESMO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 14 de julho de 2001)
´A era dourada´ não é uma obra-prima mas exibe um texto ainda primoroso
A era dourada, de Gore Vidal. Tradução de Paulo Reis. Editora Rocco, 512 páginas. R$ 41
O que ainda se pode esperar de Gore Vidal? Aos 75 anos, remanescente de uma brilhante geração de escritores americanos do pós-guerra, que ainda inclui Norman Mailer, John Updike e Saul Bellow, entre outros, ele se assemelha a um jogador de futebol veterano. Ou seja, não faz exibições soberbas, mas ainda é capaz de boas partidas de exibição, como é o caso de “A era dourada”, último livro da série “Narrativas do Império”.
Ou seja, já dá para desconfiar que não é uma obra-prima, mas repassa a história americana com boas doses de ironia e polêmica, como “Lincoln” e “Burr”, outros livros das “Narrativas”. A história se passa no período que vai da Segunda Guerra Mundial à Guerra da Coréia, quando os americanos, sobre os escombros do III Reich de Hitler, iniciaram o seu império.
Obra mistura personagens
reais e fictícios
O ponto central do livro é o ataque japonês à base americana de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, dia que ficou conhecido como “da infâmia”. O nome foi dado pelo próprio presidente Franklin Roosevelt no discurso que fez no Congresso, quando conseguiu a autorização para declarar guerra ao Eixo.
Na “central de boatos” da capital americana, onde o escritor, neto de um senador, cresceu, a opinião era de que Roosevelt, considerado comunista pela direita reacionária e ameaçado por um golpe, sabia da iminência de um ataque japonês, mas deixou que ele acontecesse para forçar a entrada do seu país na guerra e garantir inéditos terceiro e quarto mandatos. “A guerra fora sempre a distração escolhida quando os líderes americanos não conseguiam pensar em nada melhor para fazer”.
Neste burburinho à sombra do poder, personagens reais, como o próprio Roosevelt e sua mulher Eleonora (que aqui aparece declaradamente lésbica) misturam-se a personagens fictícios, como Carolina e Peter Sanford, tia e sobrinho editores de jornais. Eles estão no centro das relações que também incluem o magnata da informação William Randolph Hearst, Cole Porter e vários atores.
A preparação de um documentário sobre a posição americana diante da guerra na Europa, antes do ataque, abre o livro e serve para mostrar, de forma detalhada, como os lobistas ingleses e nazistas agiam nos bastidores de Washington. Se 80% dos americanos eram contra a guerra, os ingleses, bombardeados e isolados do continente por Hitler, faziam de tudo para que o “primo rico” os ajudasse.
A ajuda veio, como se sabe, mas custou a passagem de bastão de um império já carcomido pelo tempo para outro. O autor mostra como a histeria comunista (alguns militares americanos eram a favor de que a guerra continuasse, contra os russos) forneceu os argumentos para a crescente militarização americana e o papel de polícia do mundo, mais atual do que nunca.
Há no livro excessivos detalhes de eleições primárias e um hiato inexplicável entre o ataque a Pearl Harbor e o fim da guerra. Seria interessante saber o que esse movimentado círculo de fofoqueiros dizia sobre o desenvolvimento do conflito e a crescente (e depois permanente) militarização americana.
Autor se vê como um
Shakespeare americano
O curioso é que o autor se inclui entre seus personagens, visto como um possível “Shakespeare americano”, jovem, esbelto e sensível. Diante do otimismo entre artistas e intelectuais do pós-guerra, que viam a iminência de um novo Renascimento, ele provoca: “Estou dizendo que nos demos incrivelmente bem como os caipiras do mundo ocidental. Não, nós temos que continuar burros.”
A sonhada era dourada, que poderia ser de paz após o maior conflito da História, termina com a Guerra da Coréia, que matou 30 mil soldados americanos. Daí a história dá um salto até 2000, quando Peter Sanford analisa o que se passou naquele período decisivo para a configuração política atual.
Mesmo quem não se interessa tanto pela história americana vai encontrar com o que se identificar no livro. Afinal, o texto de Gore Vidal, além de continuar primoroso, é a maior prova de que a classe política é o único elemento que mantém intacta suas características em qualquer parte do mundo. “Você precisa ser esperto para ser juiz, mas qualquer idiota pode chegar ao Senado”.
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