terça-feira, 3 de novembro de 2009

UM PADRE DEVASSO NA TERRA DO OURO


(Publicado na revista "Sênior", em outubro de 2001)

Entre a cruz e a espada - "A saga do valente e devasso Padre Rolim"
- Roberto Wagner de Almeida - Editora Paz e Terra - 200 pg - R$ 25,00

O que existe de lenda e de verdade na vida do padre José da Silva e Oliveira Rolim, um personagem não muito conhecido da Conjuração Mineira, é difícil dizer com exatidão. No poema “Romanceiro da Inconfidência”, Cecília Meireles diz do padre Rolim que “só Deus sabia os limites entre seu corpo e sua alma!” Mas a julgar pelo que o autor deste livro coletou a seu respeito, o padre Rolim estava muito mais para os prazeres da carne do que para a elevação da alma.

O jornalista Roberto Wagner de Almeida baseou sua pesquisa em vários autores importantes, mas principalmente nos “Autos de devassa da Inconfidência Mineira”. Nascido no Arraial do Tijuco (hoje Diamantina) em 1747, filho do poderoso primeiro-caixa da Intendência dos Diamantes, o padre Rolim era o mais rico dos conjurados, além de contrabandista, agiota, mulherengo e, segundo dizem, assassino.

Já no seminário, em São Paulo , o governador da Capitania, Lobo de Saldanha, alertava a rainha, dona Maria I, afirmando que Rolim estava “fazendo em diferentes noites com mulheres as funções mais ilícitas, com escândalo geral de todos os que delas tinham notícias (...)”. Seu único relacionamento duradouro foi com Quitéria Rita, filha da famosa escrava Chica da Silva, criada como uma filha pelo pai de Rolim. Como Quitéria consta que teve cinco filhos, embora só dois tenham sido identificados.

Os depoimentos mostram que o padre era um dos mais dispostos a colocar “pólvora no lugar da poesia”, organizando a luta armada da conjuração. Quando Joaquim Silvério dos Reis delatou o movimento, em 15 de março de 1789, Rolim estava no Arraial do Tijuco tentando reunir 200 homens armados para o levante. Fugiu, segundo dizem, com “dragão e farda da cavalaria”, conseguindo ficar foragido durante quatro meses.

Renato Wagner alerta para o erro de se chamar a Conjuração Mineira de inconfidência, palavra que, conforme a legislação portuguesa da época, significava o crime de infelidade ao soberano conhecido como lesa-majestade, bem diferente do que aconteceu em Minas.

Na segunda parte do livro, o autor se concentra em outra figura polêmica, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mostrando como surgiu a figura do mártir que se sacrificou pelos companheiros, não delatando ninguém e assumindo a culpa pelo movimento que liderara.

A versão de que Tiradentes não delatou ninguém cai por terra quando Renato Wagner cita os "Autos da devassa" e mostra que o alferes na verdade delatou, durante acareação, o padre Rolim, o único amigo que tinha na conjuração, e que até então vinha negando ter participado do movimento. "Como se pode entender que nenhum estudioso da Conjuração Mineira tenha, até hoje, descrito essa acareação em nenhuma das dezenas de obras publicadas?"

Tiradentes, conforme os depoimentos de testemunhas, convidava a todos que via pelo caminho a participarem do movimento, inclusive em tabernas. Talvez aí, segundo o autor, esteja a razão de ele ter sido o único a ser enforcado, já que na substituição da pena capital pela do degredo perpétuo, da rainha d. Maria I, só não teve perdão aquele que através de "discursos, práticas e declamações sediciosas" procurou "dispor e induzir os povos, por estes e outros criminosos meios, a se apartarem da fidelidade que me devem".

Quanto ao padre Rolim, seu destino foi bem diferente. Condenado à prisão em Lisboa, conseguiu a liberdade em 1802, dez anos depois, e voltou ao Arraial do Tijuco, onde viveu até sua morte, em 1835, aos 88 anos. Chegou a raver parte de seus bens sequestrados. Além do padre, apenas mais dois participantes de menor expressão da Conjuração Mineira viveriam para ver o seu País se tornar independente de Portugal, o grande sonho dos conjurados.

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