ROMANCE COM A PROSA TÍPICA DAS MESAS DE BAR
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em quatro de maio de 2002)
Elvira Vigna conta histórias de crimes com texto leve e ágil
Coisas que os homens não entendem, de Elvira Vigna. Companhia das Letras, 160 páginas. R$ 25
Tudo começa numa Nova York onde as pessoas mal se falam e continua num bairro perdido no passado, a Santa Teresa boêmia de sempre, dos casarões antigos e das ruas de paralelepípedos. Num dos casarões houve um crime, contado de várias formas pelo protagonista, que está sempre em busca de “um começo, um ponto de partida” e nunca sabe se suas viagens são de ida ou de volta.
Antes que se pense que este é um livro dirigido apenas às mulheres, como poderia sugerir o título, é preciso admitir que muitas das observações da fotógrafa Nita, que conta a história de um modo todo pessoal, sem obedecer aos cerimoniosos “começo, meio e fim”, serão entendidas de uma forma toda particular pelo público feminino. Mas o livro não discrimina ninguém.
Frases de impacto
separam parágrafos
Os detalhes são acrescentados aos poucos e dão a impressão de que tudo o que foi dito pode mudar completamente de sentido entre um parágrafo e outro. Parágrafos, aliás, muitas vezes separados por pequenas lamentações, observações críticas ou frases de impacto.
Com uma prosa leve e atraente, Elvira Vigna desvenda o sóbrio irritante das declarações de quem não tem o que falar na hora da morte (“para morrer basta estar vivo, dessa vida nada se leva, mais vale a nossa saúde...”) e descreve um domingo ensolarado e entediante, véspera de um exame de próstata às sete da manhã, como o pior dos infernos.
Um elemento estranho na narrativa é a extensa descrição do que aconteceu durante o noticiário de TV, visto de um apartamento de temporada numa noite solitária. Além da linguagem nada literária da decupagem de um programa de TV, o tom excessivamente irônico destoa do restante do texto, que muitas vezes é de uma informalidade típica das mesas de bar que retrata: “E que a verdade é que o fulano tinha tido um terrível piriri por causa de uma rabada na casa do sicrano, aonde ele fora sem avisar a mulher, porque ele estava de saco cheio da mulher.
Na memória de Nita, que iniciou a carreira no antigo “Correio da Manhã”, o crime de Santa Teresa funciona como referência para uma vida resgatada nos aparelhos de TV sempre sem som, nos apartamentos vazios e nas dificuldades quase intransponíveis de relacionamento entre as pessoas. Uma busca constante por afeto, por entendimento, que tanto pode se dar no calçadão da orla, em Santa Teresa, no Acre ou na fria Nova York.
Os momentos felizes não duram muito e parecem cercados de uma tragédia iminente. O ritmo é dinâmico como as reviravoltas na vida da protagonista, que muitas vezes parecem resumir seu cotidiano como se estivesse escrevendo um irônico diário às pressas: “Chegou de manhã bem cedo, fomos para o hotel, trepamos e depois saímos. Andamos, falamos bobagens, comemos porcaria”. A própria descrição do sexo deixa de lado qualquer tipo de lirismo e parece justificar o título do livro: “(...) eu notando pela primeira vez a existência de centímetros quadrados de mim que antes me eram insuspeitados e que, para minha surpresa, pareciam ser importantíssimos para ele (...)”.
1 Comentários:
mansur,
não consegui descobrir teu email no blog.
fiz um vídeo para apresentar meu próximo livro, o 'nada a dizer', que sai em fevereiro pela cia. das letras.
está no meu site - www.vigna.com.br
se puder, dê uma olhada.
um abraço,
elvira vigna
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