BUSCA DO AMOR, QUESTIONAMENTOS SOBRE VELHICE E FILHOS
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 21 de dezembro de 2002)
Livro de contos da escritora carioca Ana Teresa aborda as limitações do corpo e problemas bem femininos
A mesa branca, de Ana Teresa Jardim. Editora 7Letras, 83 páginas. R$ 15
O tema principal dos 16 contos do terceiro livro da escritora carioca Ana Teresa Jardim é o corpo e as diversas maneiras de se lidar com ele. O movimento se dá por gestos mínimos, indecisos, e o contato acontece principalmente pelos odores, pela dissimulação ou por estranhas sensações, como a que surge quando se vê uma pessoa “numa posição que nada tem a ver com as posturas convencionais do dia-a-dia”.
Numa das histórias, intitulada justamente “O corpo”, todo o cansaço de uma vida atribulada e sem tempo é delineada com tanta precisão que a hora de se deitar na cama surge como o momento mais feliz do dia, ou da vida. Nas saídas noturnas em grupos, regadas a vinho e com a inevitável presença de celulares na mesa que “pareciam emitir chispas, faíscas”, está presente uma atabalhoada busca pelo outro, “sempre diverso, adverso, o punho cerrado, o nó no peito, a contrariedade...”
O estranhamento do próprio corpo e a dificuldade em identificar suas necessidades se traduzem muitas vezes na solidão das personagens, como a da não-amante, resignada diante da cama vazia. “Os outros eram felizes, os que dormiam acompanhados (...)”. A procura por um amor, a preocupação com a velhice e a opção de se ter ou não filhos são manifestações constantes num livro de personagens na maioria femininos. “Num dia estava casada, no outro solteira, separada, montando apartamento sozinha, meio aturdida, constatando que montar apartamento próprio não era como nos filmes”.
A autora faz de objetos singelos do cotidiano, como a mesa branca que dá título ao livro, testemunhas de uma traição, suporte de um feliz reencontro tantos anos depois das “inocentes e sérias manhãs de companheirismo que nenhum outro sentimento na vida havia sobrepujado ou ofuscado, sequer”. A sensação de se ter o corpo exposto a uma massagem feita pelo colega da turma de terapia, o contato físico com “um outro ser humano que não a desejava carnalmente, que não tinha por ela nenhuma paixão”, faz parte de um erotismo muito mais sugerido e fantasiado do que realizado.
O corpo é descrito em detalhes, de peles ligeiramente oleosas a veias finas em braços muito pálidos, estatura, cor dos olhos, gordura e músculos, tudo sob um olhar crítico, como se alguém entrasse num lugar onde toda a atenção convergisse para seus mínimos detalhes. Não é à toa que muitos dos personagens percebem seus defeitos e privilégios apenas diante do olhar do outro, muitas vezes dissimulado, indiscreto ou apenas imaginado.
No último conto do livro, um senhor, "de sobrancelhas grossas e mãos vigorosas", e uma senhora, com "ares de outro século", estão em cadeiras de rodas simbolizando a própria imobilidade do corpo, cercados de movimento diante do mar num dia de ventania. O diálogo rápido e cheio de lembranças de um tempo no qual "as frutas tinham um sabor melhor" chama a atenção de seus acompanhantes, jovens e a princípio indiferentes. No final, levados para direções opostas, fica a certeza de que a memória pode funcionar muitas vezes como uma doce compensação para os limites físicos do corpo.
1 Comentários:
Oi Mansur, acabei encontrando por acaso no seu blog essa sua resenha do meu livro A Mesa Branca. Obrigada por ter postado. Teu blog está bacana. Te convido a visitar o meu: http://anateresajardim.com/ abraço, Ana teresa jardim
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