domingo, 24 de janeiro de 2010

CONVERSAS E CRIMES EM TORNO DE UM BILHAR


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 23 de julho de 2005)

Romance do francês Michel Quint vai além do gênero policial

Bilhar indiscreto, de Michel Quint. Tradução de André Telles. Editora Record, 208 pgs. R$ 24,90

Nada mais frágil que uma palavra e, ao mesmo tempo, mais definitivo. Cada frase pronunciada fala ao lobo que habita o fundo de nossas florestas íntimas”. O poder da palavra é o verdadeiro protagonista deste romance do premiado escritor francês Michel Quint. Em torno de uma mesa de bilhar todos conversam, especulam e desconfiam uns dos outros quando um crime acontece e, principalmente, quando nada é o que parece.

A trama gira em torno de Joseph, forasteiro que chega a uma cidade do litoral francês onde tudo gira em torno do Bar de la Marine, uma espelunca próxima ao cais. O dono do bar, o desconfiado Zé (diminutivo de Bénézet), recebe diariamente no bilhar do andar de cima os quatro principais freqüentadores, Bastien, Samson, Chef e Violette, “sensatos inspetores do dia que passa”, que começam a olhar com desconfiança para Joseph, principalmente quando ele diz ter testemunhado um crime da janela do bar. Ida, para muitos “uma ninfomaníaca oferecida”, teria se jogado no mar. Numa cidade “onde se trata a beleza como uma verruga”, Ida tem sua vida contada em várias versões, geralmente difamatórias.

Definir "Bilhar indiscreto" como um romance policial é restringir demais o alcance do livro. O possível assassinato de Ida é apenas o pano de fundo no qual Quint exercita sua bela prosa, explorando o clima de mistério que envolve os freqüentadores do bar e as suspeitas que volta e meia recaem sobre a figura de Joseph, o sujeito que se transforma num enigma nas mãos do autor.

A construção do enredo segue os atalhos do pano verde da mesa de bilhar e suas diversas combinações de pontos, estratégias e jogadas de mestre. Quint narra com muita sutileza não necessariamente uma trama policial, mas sim um romance sobre o disse-me-disse, sobre as várias versões que encenadas sobre um fato geralmente se tornam mais atraentes do que a própria verdade.

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