quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

OUTRO ENIGMA BEST-SELLER



(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em cinco de março de 2005)

Mistério sobre um livro da Renascença movimenta obra de texto excelente

O enigma do quatro, de Ian Caldwell e Dustin Thomason. Tradução de Léa P. Zylberlicht. Editora Planeta, 432 pgs. R$ 39,90

Um enigma se torna mais fascinante quanto maior for a sua capacidade de se eternizar como enigma. Assim são os grandes mistérios contados nas entrelinhas dos livros religiosos ou de imagens indecifráveis que sobrevivem à poeira (e bota poeira nisso!) dos séculos. Assim é este “enigma do quatro”, sobre um livro da Renascença, que se revela “um tributo ao amor de um homem por uma mulher”. Mas... será só isso?

Quem leu, ou pelo menos conhece o best-seller “Código da Vinci”, de Dan Brown, vai se interessar pela história do livro de nome quase impronunciável — "Hypnerotomachia” — da mesma forma que os estudantes da prestigiada Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, fazem aqui. Como na obra de Brown, Caldwell e Thomason misturam dentro de um texto excelente mistério com perigo, aventura com estudo, intuição com muito sangue e suor. Não é à toa que o livro também já é um best-seller no mundo todo.

Trama mistura
ficção e História


“Um bom amigo nos acompanha em situações de perigo no momento em que lhe pedimos - mas um grande amigo o faz sem que lhe peçamos nada”. Este laço de amizade une os estudantes em busca dos segredos do livro, numa trama que mistura ficção e História, como é comum em obras deste tipo. Em meio a descrições bem interessantes do estilo de vida no campus da universidade, a figura do romano Francesco Colonna, que publicou o livro em 1499, começa a ganhar forma. O jovem Paul, por exemplo, que começa a utilizar todas as formas de decodificação possíveis, trava com Colonna uma batalha para decifrar o “labirinto de enredos secundários, encontros estranhos com figuras mitológicas, dissertação sobre assuntos esotéricos”.

Quando um estudante é assassinado, talvez por estar perto demais da verdade, a trama ganha uma dimensão misteriosa e envolvente. É quando o leitor começa a tomar contato com diversas formas de decodificação, cada uma mais interessante do que a outra, uma verdadeira “floresta de línguas mortas e da xilogravura”. Descobertas como a dos “chifres de Moisés”, que para um leitor mais gaiato seria uma coisa e se revela outra, completamente diferente e bem mais profunda. Todo este complicado “caminho das pedras” muitas vezes começa do jeito mais fortuito possível, como na hora de se passar uma nota na máquina de refrigerante.

O enigma do quatro só pode ser resolvido pelos “amantes do conhecimento”, pessoas com a capacidade de cruzar referências eruditas de diversos sistemas de informação. O objetivo não era apenas afastar os curiosos, mas também esconder tesouros culturais numa época em que a intolerância religiosa não admitia nada que não fosse “sagrado”. Dessa forma, muitas obras valiosíssimas foram jogadas na “fogueira das vaidades” criada pelo monge Savonarola, o pregador evangélico que tentou restaurar a fé da cidade de Florença a todo custo.

Uma homenagem à
cidade de Florença


Mesmo que não fosse pela trama, que se concentra na busca do enigma e se revela bastante interessante, o livro traz, de forma equilibrada, dentro do enredo diversas informações e curiosidades (como o significado da palavra sarcófago e do termo beladona) que tanto podem aumentar a bagagem cultural como servir para impressionar alguém numa mesa de bar.

Não deixa de ser também uma homenagem à cidade de Florença, berço da Renascença e “um lugar onde a beleza e a verdade eram soberanas”. Maquiavel, Boccaccio, Leonardo da Vinci, Michelangelo, “os maiores heróis culturais em toda a História ocidental, cruzando um com o outro nas ruas (...) é como um sonho. Uma impossibilidade”. Por trás de tudo, a fortuna e o prestígio dos Médicis, a família de mecenas que possibilitou a produção e divulgação das obras de todos estes gênios.

Da metade do livro em diante, a busca pelo enigma se torna uma atividade extremamente perigosa. Assassinatos, sumiço de material, desconfiança, tudo se junta ao esforço quase insano da decifração do código. Mas tudo isto na verdade se justifica, porque, como está muito bem definido, “os enigmas têm um brilho próprio, uma sabedoria que ilumina os limites da experiência quando nada mais pode fazê-lo”. Alguém se arrisca a decifrá-lo?

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