sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O TROVADOR SOLITÁRIO


(Publicado na agência Reuters em dezembro de 2000)

Ele queria levar a Legião Urbana até os 40 anos, daí até os 60 se dedicar ao cinema e depois ser escritor. Não deu tempo. Renato Manfredini Jr., mais conhecido como Renato Russo, ou simplesmente Junior para os pais, morreu em 11 de outubro de 1996, aos 36 anos, vítima de complicações decorrentes da Aids. Mas o seu plano de vida reflete uma personalidade meticulosa, muitas vezes obsessiva, e que é descrita com detalhes pelo jornalista Arthur Dapieve em mais um livro da coleção “Perfis do Rio”.

“Renato Russo – o trovador solitário” vem se juntar a outros perfis de personagens que marcaram a vida do Rio de Janeiro de alguma forma, na coleção produzida pela editora Relume Dumará desde 1996, em convênio com a Secretaria Municipal de Cultura da cidade. Embora tenha montado a banda em Brasília, Renato Russo teve uma forte ligação com a cidade, pois passou a infância no Rio e depois voltaria, em 1985, logo após a banda gravar o primeiro disco, “Legião Urbana”, um arrasa-quarteirão que continha clássicos como “Ainda é cedo” e “Será”.

Dapieve abre seu livro com uma curiosa discussão na reunião do poderoso “Jornal Nacional”, da Rede Globo, em que uma indiferente Lilian Witte Fibe não concordava em dedicar metade da edição daquele fatídico 11 de outubro de 1996 ao líder da Legião Urbana. Foi convencida pelo então colega de apresentação do jornal, William Bonner, que ameaçou recitar os 159 versos de “Faroeste Caboclo”, a música que, apesar de seus nove minutos, tomaria conta das rádios em 1987, no LP “Que país é este 1978/1987”.

Ao narrar desde a infância introspectiva (“Eu aproveitava os dias de chuva”, diria numa entrevista) à serena fase final da vida de Renato Russo, o autor não esconde a admiração pelo músico que encarnava o mito autodestrutivo dos ídolos que morrem cedo, capaz de beber um copo duplo de Cointreau numa manhã ensolarada e de interromper uma excursão pelo meio, após quebrar tudo o que via pela frente num hotel de Natal, em 1992.

Dapieve, que conheceu o músico e acompanhou, como profissional, toda a ascensão do rock brasileiro à mídia nos anos 80, não entra em muitos detalhes sobre o pansexualismo, como o próprio Renato, que se descobriu soropositivo em 1990, definia a sua condição sexual. Prefere tentar explicar como o mito Renato Russo foi crescendo até sair de controle, provocando um efeito chamado “religião urbana”.

Neste aspecto, o livro, que traz cronologia e discografia, é indispensável até para os jovens que estavam nascendo quando Renato Russo conclamava a geração Coca-Cola a “cuspir de volta o lixo industrial de USA, nove às seis”.

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