quarta-feira, 5 de maio de 2010

O MENINO AMERICANO, DE ANDREW TAYLOR


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 25 de maio de 2007)

O menino americano, de Andrew Taylor. Tradução de Fabiano Morais. Editora Objetiva, 504 páginas. R$ 54,90

O inglês Andrew Taylor constrói em torno da infância do escritor americano Edgar Allan Poe uma envolvente trama de mistério e suspense. Mas Poe não é apenas um personagem do livro de Taylor, o tal "menino americano" do título. Ele é o próprio livro, pois o autor mergulha no sombrio universo do escritor que sabia lidar com o medo e as emoções humanas de forma bastante profunda e fez da sua própria vida um grande mistério, que se acentuou mais ainda com o seu desaparecimento perto da morte.

O personagem principal, no entanto, não é o menino americano, e sim o seu professor, Tom Shield, um sujeito sem muitas ambições, ferido na guerra. Ele vai dar aulas na prestigiada escola do sr. Bransby, perto de Londres no início do século XIX. Além de Poe, ele será preceptor de Charles Frant (um menino estranhamente parecido com Poe), porta de entrada para uma família na qual vai se envolver de forma definitiva "em direção ao coração negro de um labirinto, até o lar de segredos terríveis e do pior dos crimes".

Shield acaba se vendo envolvido por duas mulheres, Sophie Frant, mãe de Charles, e sua prima, Flora Carswall, numa relação de sensualidade bastante velada e sutil. A aparição de Flora numa janela tem a força de um strip-tease para Shield, um homem completamente deslocado de seu meio: "Não há nada pior do que ficar escutando sozinho o som das outras pessoas se divertindo reunidas". A suposta morte de Henry Frant, marido de Sophie, abre o leque de muitos mistérios da trama, tendo como parâmetro o autoritário Stephen Carswall, um homem que apesar de velho e doente, segundo a descrição de Shield, tinha o poder de fazer uma pessoa se sentir menos importante do que de fato era.

A vida de Shield vai sendo conduzida como se fizesse realmente parte de um plano traçado. "Um homem acredita na Providência porque, de outra forma, teria de ver a vida como uma coisa arbitrária, conduzida pelas regras caprichosas do acaso, tão fora do seu controle quanto o rolar dos dados ou a composição de uma mão de cartas". Sua resignação, apesar de irritante em alguns momentos, é um elemento de tensão fundamental para se entender a ruptura que acontece em sua vida a partir da metade do livro.

Taylor consegue ambientar muito bem o seu romance, fruto de longas e exaustivas pesquisas de época. Aliás, uma época de palmatórias, rapés, perucas empoeiradas, muita formalidade, nevoeiros espessos e heranças, como a que Shield recebe da tia. Pouca coisa, mas suficiente para lhe dar o mínimo de estabilidade num mundo em que o trabalho era visto como algo desonroso para quem não tinha sangue azul. "A riqueza pode não trazer felicidade, mas ao menos tem o poder de afastar algumas das causas da tristeza. E faz um homem sentir que ele tem um lugar no mundo".

O estilo de Taylor é um caso à parte. Ele fez uma ampla pesquisa sobre a sociedade britânica da época e sobre a vida de Edgar Allan Poe, que realmente estudou numa escola britânica quando criança. Vários fatos narrados no livro remetem a dados biográficos do escritor e à sua obra, como a referência ao corvo do famoso poema. Taylor sempre termina seus capítulos com uma pontinha de suspense, o que o assemelha muito a alguns autores best-sellers americanos, embora com muito mais profundidade na descrição de ambientes e caracteres e nas profundas observações sobre o comportamento humano.

Se até a metade do livro sua trama se assemelha muito aos romances de Jane Austen, autora de clássicos como "Emma" e "Razão e sensibilidade" (já adaptados com sucesso para o cinema), no segundo o estilo varia para uma trama policial americana, com o detalhamento das tramóias financeiras de Carswall e uma série de reviravoltas cheias de suspense e violência.

Detalhes mórbidos, para entrar no clima de Poe, acabam roubando a cena e deixam de lado todo o clima que Taylor criou para seu Tom Shield, que tentava se equilibrar entre tantas convenções e no amor contido pelas duas mulheres que o envolviam cada vez mais. Mas se não fosse assim, não seria uma homenagem à altura de Edgar Allan Poe, que foi para muitos o verdadeiro fundador da literatura norte-americana.

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