quarta-feira, 5 de maio de 2010

FORMAÇÃO DE UM BANDIDO NA PROSA DE BUNKER


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em três de março de 2007)

Escritor que viveu 18 anos atrás das grades escrever sobre o crime

O menino, de Edward Bunker. Tradução de Francisco R.S. Inocêncio. Editora Barracuda, 432 páginas. R$ 45

Edward Bunker mostra em "O Menino" como se forma um autêntico ban­dido, com todos os seus inevitáveis ritos de passagem. Apesar de a história se passar nos anos 30, o tema permanece atual no complexo equilíbrio en­tre reeducar e punir. "A instituição era ao mesmo tempo circo e zoológico, uma multidão de insanos atirados na luz do dia por dois acres emparedados".

Quem leu "Educação de um bandido", autobiografia de Bunker lançada pela mesma editora, vai perceber que a ficção de "O menino" tem tudo a ver com a vida real de Bunker, um escritor que conheceu de perto a rotina das instituições punitivas. Lançado em 1980 nos Estados Uni­dos, é o terceiro romance deste escritor nascido em Hollywood em 1933 e morto em 2005. Viveu 18 anos (divididos em três pe­ríodos) atrás das grades.

Embora fora de moda em muitos lugares, o estudo ainda é, tanto para o menino Alex Hammond quanto para Edward Bunker, a grande chance de redenção para quem acabou enve­redando por caminhos para lá de enviesados. "Eu prefiro ler a qualquer outra coisa. É como se eu estivesse em outro mundo", afirma Alex, dono de um Q.I. altíssimo, num dos raros momen­tos do livro em que não está brigando ou envolvido em alguma confusão. Bunker também leu muito, especialmente Dostoiévski, influência marcante em sua obra. Seu personagem apro­veita qualquer momento para ler, mesmo nos buracos fétidos das solitárias, para onde constantemente era levado.

Solidão é o tema
principal do livro


O autor descreve de forma bem detalhada os ambientes e perfis físicos e psicológicos, fun­damentais para se entender a trajetória de Alex, que em mui­tos momentos quer realmente endireitar sua vida, mas a primeira injustiça (e foram muitas) dentro das instituições faz ex­plodir o seu temperamento. Com o tempo ele aprende a bo­xear, a usar facas e a desferir ataques de surpresa, quase um manual de sobrevivência dentro daqueles ambientes.

Bunker é um autor realista, ele escreve sobre o que viveu e consegue passar de uma forma artística toda a dureza de sua vi­da - uma tradição da literatura de seu país. Nomes como Ernest Hemingway, John Steinbeck e Norman Mailer, por exemplo, souberam traduzir para a ficção a realidade de momentos dra­máticos como a Grande Depres­são e a Segunda Guerra Mundial e acaba­ram influenciando de forma decisiva outros escritores.

"O menino" é, essencialmen­te, um livro sobre a solidão. Alex tem apenas o magro e desgasta­do pai, com a pele avermelhada e curtida pelo álcool e o traba­lho sob o sol. O único parente do qual ele se lembra é de uma tia com a qual não tem nenhuma afinidade. Resta a amizade das ruas, dos desajustados iguais a ele, com seus códigos de ética muito próprios, que proíbem a delação e recomendam o "olho por olho" diante de provo­cações e ataques físicos.

Este livro deve ser lido não apenas como entretenimento. Educadores, psicólogos ou qual­quer pessoa que lide com jo­vens em situações de risco com certeza vão entender um pouco melhor o modo de vida deles, mesmo a trama se passando na sociedade americana dos anos 30, tão distante no tempo e no espaço da nossa realidade. Pois nos bons livros, como são os de Edward Bunker, a única coisa que envelhece é o papel.

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