FORMAÇÃO DE UM BANDIDO NA PROSA DE BUNKER
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em três de março de 2007)
Escritor que viveu 18 anos atrás das grades escrever sobre o crime
O menino, de Edward Bunker. Tradução de Francisco R.S. Inocêncio. Editora Barracuda, 432 páginas. R$ 45
Edward Bunker mostra em "O Menino" como se forma um autêntico bandido, com todos os seus inevitáveis ritos de passagem. Apesar de a história se passar nos anos 30, o tema permanece atual no complexo equilíbrio entre reeducar e punir. "A instituição era ao mesmo tempo circo e zoológico, uma multidão de insanos atirados na luz do dia por dois acres emparedados".
Quem leu "Educação de um bandido", autobiografia de Bunker lançada pela mesma editora, vai perceber que a ficção de "O menino" tem tudo a ver com a vida real de Bunker, um escritor que conheceu de perto a rotina das instituições punitivas. Lançado em 1980 nos Estados Unidos, é o terceiro romance deste escritor nascido em Hollywood em 1933 e morto em 2005. Viveu 18 anos (divididos em três períodos) atrás das grades.
Embora fora de moda em muitos lugares, o estudo ainda é, tanto para o menino Alex Hammond quanto para Edward Bunker, a grande chance de redenção para quem acabou enveredando por caminhos para lá de enviesados. "Eu prefiro ler a qualquer outra coisa. É como se eu estivesse em outro mundo", afirma Alex, dono de um Q.I. altíssimo, num dos raros momentos do livro em que não está brigando ou envolvido em alguma confusão. Bunker também leu muito, especialmente Dostoiévski, influência marcante em sua obra. Seu personagem aproveita qualquer momento para ler, mesmo nos buracos fétidos das solitárias, para onde constantemente era levado.
Solidão é o tema
principal do livro
O autor descreve de forma bem detalhada os ambientes e perfis físicos e psicológicos, fundamentais para se entender a trajetória de Alex, que em muitos momentos quer realmente endireitar sua vida, mas a primeira injustiça (e foram muitas) dentro das instituições faz explodir o seu temperamento. Com o tempo ele aprende a boxear, a usar facas e a desferir ataques de surpresa, quase um manual de sobrevivência dentro daqueles ambientes.
Bunker é um autor realista, ele escreve sobre o que viveu e consegue passar de uma forma artística toda a dureza de sua vida - uma tradição da literatura de seu país. Nomes como Ernest Hemingway, John Steinbeck e Norman Mailer, por exemplo, souberam traduzir para a ficção a realidade de momentos dramáticos como a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial e acabaram influenciando de forma decisiva outros escritores.
"O menino" é, essencialmente, um livro sobre a solidão. Alex tem apenas o magro e desgastado pai, com a pele avermelhada e curtida pelo álcool e o trabalho sob o sol. O único parente do qual ele se lembra é de uma tia com a qual não tem nenhuma afinidade. Resta a amizade das ruas, dos desajustados iguais a ele, com seus códigos de ética muito próprios, que proíbem a delação e recomendam o "olho por olho" diante de provocações e ataques físicos.
Este livro deve ser lido não apenas como entretenimento. Educadores, psicólogos ou qualquer pessoa que lide com jovens em situações de risco com certeza vão entender um pouco melhor o modo de vida deles, mesmo a trama se passando na sociedade americana dos anos 30, tão distante no tempo e no espaço da nossa realidade. Pois nos bons livros, como são os de Edward Bunker, a única coisa que envelhece é o papel.
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