SEM PROMESSAS VAGAS DE FELICIDADE
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 21 de abril de 2007)
Romance faz auto-ajuda pelo avesso com protagonista que enfrenta a solidão
Este livro vai salvar sua vida, de A.M. Homes. Tradução de Santiago Nazarian. Editora Nova Fronteira, 445 pgs. R$ 39,90
O filão dos livros de auto-ajuda parece inesgotável, com livros e autores (na maioria americanos) cada vez mais numerosos. A julgar pelo título, "Este livro vai salvar sua vida" poderia se enquadrar neste grupo. Mas o que a autora americana A. H. Homes faz é exatamente ironizar este tipo de literatura, de uma forma bem sutil.
Um dos melhores personagens do filme "Pequena Miss Sunshine" é vivido por Greg Kinnear através do seu personagem Richard, que dá palestras sobre auto-ajuda num tal método dos nove passos, que não convence nem sua própria família. É uma temática parecida com a deste livro, ou seja, a familia desagregada se une de forma atabalhoada, mas baseada simplesmente no carinho que descobrem sentir uns pelo outros.
O que A. M. Homes mostra, através de um ricaço (também chamado Richard) que se descobre completamente solitário, é que para se ajudar não são precisos métodos, regras, passos, mas simplesmente dar atenção às pessoas por perto. Quando ele vai parar num hospital, logo no inicio do livro, cheio de dores, e a enfermeira pergunta para quem pode ligar, Richard simplesmente não sabe. "Não precisava de ninguém, não conhecia ninguém, não era parte da vida de ninguém".
Sua ex-mulher, de quem também está completamente distante, dirige uma editora de livros de auto-ajuda, "livros que ensinam a viver, o que fazer de acordo com seu signo, tipo sangüíneo ou cor". É o gancho da autora para criticar a dependência que os americanos têm de tentar encontrar a felicidade de forma pragmática e objetiva.
O mais interessante é que não há nenhum rancor ou ironia agressiva - a autora simplesmente mostra a transformação de Richard em direção a uma vida que deveria ter levado e nunca levou. No final, o leitor percebe que as coisas podem ser realmente mais simples, como o receituário dos livros de auto-ajuda ensina, mas sem a necessidade da parafernália quase religiosa deles.
Um humor contido domina a história, pois Richard, como um calouro em felicidade, começa a fazer tudo de forma exagerada e provoca situações hilárias, como sua relação com o Anhil, o sujeito da loja de donuts, ou Cynthia, que conhece no mercado. Sua busca por um retiro para meditar e assistir a palestras, quase que uma obsessão em Los Angeles, também é recheada de momentos espirituosos.
Mesmo situações simples trazem uma grande carga de complexidade, como no momento em que Richard, que trabalha com investimentos financeiros, se vê diante dos quatro jornais diários que costuma ler e se pergunta - "Talvez devesse cancelar dois; o que alguém faz com quatro jornais?". Richard se vê num mundo de excesso de informação inútil, de alimentos saudáveis sem sabor e de relações frias e distantes.
A relação com a família é um caso à parte. Richard descobre que o filho, os pais, a ex-mulher e o irmão e sua família se encontram freqüentemente, um mundo do qual nunca participou. A cratera que se forma em frente a sua casa e que o obriga a se mudar é a metáfora perfeita da sue situação - ou muda seu estilo de vida ou será engolido pela angústia e pela depressão.
Por mais leve e bem-humorado que seja, o livro traz a amargura e a tristeza dos anos perdidos, do abismo entre Richard e as pessoas próximas. O caminho para superar tudo isso, como a autora demonstra, é complicado e cheio de contratempos. Seria muito bom se os livros de auto-ajuda fossem como este, sem promessas vagas de felicidade, frases de efeito ou métodos pragmáticos.
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