quarta-feira, 5 de maio de 2010

SEM PROMESSAS VAGAS DE FELICIDADE


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 21 de abril de 2007)

Romance faz auto-ajuda pelo avesso com protagonista que enfrenta a solidão

Este livro vai salvar sua vida, de A.M. Homes. Tradução de Santiago Nazarian. Editora Nova Fronteira, 445 pgs. R$ 39,90

O filão dos livros de auto-­ajuda parece inesgotá­vel, com livros e auto­res (na maioria ameri­canos) cada vez mais numero­sos. A julgar pelo título, "Este livro vai salvar sua vida" pode­ria se enquadrar neste grupo. Mas o que a autora americana A. H. Homes faz é exatamente ironizar este tipo de literatura, de uma forma bem sutil.

Um dos melhores persona­gens do filme "Pequena Miss Sunshine" é vivido por Greg Kin­near através do seu personagem Richard, que dá palestras sobre auto-ajuda num tal método dos nove passos, que não con­vence nem sua própria família. É uma temática parecida com a deste livro, ou seja, a familia de­sagregada se une de forma atabalhoada, mas baseada simples­mente no carinho que desco­brem sentir uns pelo outros.

O que A. M. Homes mostra, através de um ricaço (também chamado Richard) que se des­cobre completamente solitário, é que para se ajudar não são precisos métodos, regras, pas­sos, mas simplesmente dar atenção às pessoas por perto. Quando ele vai parar num hospital, logo no inicio do livro, cheio de dores, e a enfermeira pergunta para quem pode ligar, Richard simplesmente não sabe. "Não precisava de ninguém, não conhecia nin­guém, não era parte da vida de ninguém".

Sua ex-mulher, de quem também está com­pletamente dis­tante, dirige uma editora de livros de auto-ajuda, "li­vros que ensi­nam a viver, o que fazer de acordo com seu signo, tipo san­güíneo ou cor". É o gancho da autora para criti­car a dependência que os americanos têm de tentar encon­trar a felicidade de forma prag­mática e objetiva.

O mais interessante é que não há nenhum rancor ou ironia agressiva - a autora simples­mente mostra a transformação de Richard em direção a uma vi­da que deveria ter levado e nun­ca levou. No final, o leitor per­cebe que as coisas podem ser realmente mais simples, como o receituário dos livros de auto-­ajuda ensina, mas sem a necessidade da parafernália quase re­ligiosa deles.

Um humor contido domina a história, pois Ri­chard, como um calouro em felicidade, começa a fazer tudo de forma exagerada e provoca situa­ções hilárias, co­mo sua relação com o Anhil, o sujeito da loja de donuts, ou Cynthia, que conhe­ce no mercado. Sua busca por um retiro para meditar e assistir a palestras, quase que uma obsessão em Los Angeles, tam­bém é recheada de momentos espirituosos.

Mesmo situações simples tra­zem uma grande carga de com­plexidade, como no momento em que Richard, que trabalha com investimentos financeiros, se vê diante dos quatro jornais diários que costuma ler e se pergunta - "Talvez devesse cancelar dois; o que alguém faz com quatro jornais?". Richard se vê num mundo de excesso de informação inútil, de alimentos saudáveis sem sabor e de relações frias e distantes.

A relação com a família é um caso à parte. Richard descobre que o filho, os pais, a ex-mulher e o irmão e sua família se encontram freqüentemente, um mundo do qual nunca participou. A cratera que se forma em frente a sua casa e que o obriga a se mudar é a metáfora perfeita da sue situação - ou muda seu estilo de vida ou será engolido pela angústia e pela depressão.

Por mais leve e bem-humorado que seja, o livro traz a amargura e a tristeza dos anos perdidos, do abismo entre Richard e as pessoas próximas. O caminho para superar tudo isso, como a autora demonstra, é complica­do e cheio de contratempos. Se­ria muito bom se os livros de auto-ajuda fossem como este, sem promessas vagas de felici­dade, frases de efeito ou méto­dos pragmáticos.

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