quarta-feira, 5 de maio de 2010

NOVO ROTH NÃO VAI ALÉM DA RANHETICE



(Publicado no caderno "Prosa & Verso", no dia oito de setembro de 2007)

Falta profundidade a “Homem comum”, narrativa marcada pelo desespero

Homem comum, de Philip Roth. Tradução de Paulo Henriques Britto. Editora Companhia das Letras, 131 pgs. R$ 31

André Luis Mansur

Um dos principais escritores americanos da atualidade, Philip Roth mergulha, em seu novo livro, num ambiente melancólico e depressivo, com idas e vidas entre passado e presente dentro de uma narrativa na qual a única ordem parece existir apenas na incapacidade de ser feliz do tal “homem comum” do título.

Depois de Zuckerman e Portnoy, Roth agora recorre a um alter-ego sem nome. Assim como o autor, seu protagonista não-nomeado nasceu em Newark, Nova Jersey, em 1933, e colocou cinco pontes de safena. O personagem é obcecado por doença e morte esde que foi operado de apendicite aguda na infância e viu um menino morrer ao seu lado. Materialista ferrenho, publicitário de sucesso e pintor nas horas vagas, ele teme a morte de forma tão obsessiva que acaba travando a narrativa com suas excessivas referências a ela. Durante o livro acabamos aprendendo os pormenores de stents, estenores, pontes de safena e angiogramas, todos presentes nas cirurgias cardíacas a que o personagem é submetido, que talvez tivessem mais interesse num livro de medicina.

Roth acerta a mão ao enfatizar a profundidade do amor entre alguns membros da família. No caso, o seu pai, o irmão (Howie) e a filha Nancy, estes últimos os dois verdadeiros amigos de toda a vida. Mas o autor, infelizmente, prefere não se aprofundar nesses momentos. Quando seu protagonista, por exemplo, resolve chamar a filha com seus gêmeos para morar com ele, já temos três tragédias na página seguinte: a mãe de Nancy tem um derrame; o ex-chefe morre de ataque cardíaco e dois amigos estão doentes, um de câncer e outro internado com depressão.

Nancy e Howie são personagens de potencial não explorado. A capacidade dos dois extrair da vida algo de bom, mesmo diante do sofrimento, contrasta com o pessimismo do “homem comum”. Os momentos em que Howie relata a infância dos dois irmãos na joalheria do pai são de um lirismo profundo, reflexões que provocam identificação e afinidade, duas palavrinhas que conquistam qualquer leitor. “Mas por que não lembrar? O que é que tem derramar mais um litro de lágrimas, entre familiares e amigos?”

Por outro lado, os dois filhos do primeiro casamento do “homem comum” eram tão unidos “quanto irremediavelmente rompidos com o pai”, um personagem que vai deixando pela vida amores perdidos, afetos incompletos e amizades esquecidas, entrando num isolamento que o faz sentir medo até daquilo que para os artistas é sinônimo de inspiração. “A abundância de estrelas lhe dizia de modo inequívoco que ele estava fadado a morrer”.

Roth cria assim uma narrativa na qual o único objetivo da vida, segundo uma reflexão de seu personagem, é “encontrar coisas para dizer que pudessem animar os desesperançados e fazê-los recuar da beira do abismo”. Nos momentos de desespero mais profundo, o personagem chega a invejar o irmão por nunca ter tido uma doença séria e estar sempre pronto a ajudar os outros a saírem de situações difíceis. As frases pessimistas estão por todos os lados, pontuando um livro de “auto-derrota”, se existisse tal segmento literário: “A velhice não é uma batalha; a velhice é um massacre”.

É claro que Philip Roth tem todo o direito de escrever um livro neste tom, com um personagem que só vê tristeza e sofrimento por todos os lugares. Grande obras-primas já foram escritas dentro da mesma temática, mas todas tinham uma profundidade emocional e às vezes um embasamento filosófico que davam uma qualidade essencial a essas obras. Não é o que acontece aqui. O “homem comum” contagia o livro de tal forma com sua falta de interesse pela vida que o enredo também se torna comum, um mero exercício de mau-humor e desespero de um sujeito que chega à velhice sem encontrar nada que tenha realmente valido a pena.

2 Comentários:

Às 21 de agosto de 2013 às 11:19 , Blogger cleibsom disse...

Pelo menos para mim o livro é excelente por causa disto, a velhice é tão implacável que a filosofia perto dela desaparece e não tem sentido algum! Por que filosofar quando o corpo definha e ignora os desejos da mente? Pra que filosofar quando o corpo é um estorvo para o desejo de ação? Filosofia não combina com incapacidade física, teoria e prática não podem estar em campos opostos...Uma teoria exige uma ação e é isso qua a velhice impede!

 
Às 11 de fevereiro de 2015 às 05:25 , Blogger André Luis Mansur disse...

Discordo, Cleibsom, pois temos exemplos de diversos filósofos que se mantiveram produtivos até o fim da vida, muitos, inclusive, lançaram suas melhores obras em idade bem avançada. Mas, obviamente, respeito sua opinião. Abraços!

 

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