LEDA, DE ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
“Leda” – Roberto Pompeu de Toledo – Editora Objetiva – 184 páginas – R$ 27,90
A obsessão do professor de literatura Adolfo Lemoleme é escrever a biografia do escritor Bernardo Dopolobo, autor de obra extensa e original, aclamado pela crítica e querido pelo público. Mas o que a princípio parecia ser apenas o resultado da admiração do leitor pelo seu autor preferido toma outros rumos e entra pela estrada da obsessão, pontuada por atalhos nada éticos e louváveis.
“Tão importante quanto a obra, para conhecimento pleno de um artista, é entender-lhe a vida”. Esta é a grande questão do primeiro romance do jornalista Roberto Pompeu de Toledo, articulista da revista “Veja” e que teve a idéia desta trama após ler uma reportagem em que um biógrafo dizia, após tanto trabalho de pesquisa, que conhecia o biografado (um autor inglês) mais do que o próprio.
O personagem de Roberto, Adolfo Lemoleme, leva a sério sua missão durante sete anos e resolve não apenas estudar a vida do biografado, mas também percorrer seus mesmos caminhos para tornar o trabalho cada vez mais próximo da realidade. Chega a ir ao Afeganistão, cenário de um dos livros de Dopolobo, e tenta recriar uma batalha testemunhada pelo escritor, mas a partir do ponto em que suas personalidades começam a se confundir é que o biografado, até então levando tudo num tom bem-humorado, vai perceber que algo mais sério vem pela frente.
Nos momentos de dúvida, Lemoleme recorria às sessões de análise com o doutor Carlos Nochebuena, que só existia na sua fantasia e funcionava como uma segunda voz, a interpelá-lo e muitas vezes lhe dirigir severas críticas. Da mesma forma seu orientador, o professor Spielverderber, que também só existe na imaginação de Lemoleme, promove com ele discussões muito interessantes sobre o valor da biografia como forma de se entender os pensamentos e sensações do biografado. “Escrever uma biografia equivale a cultivar uma horta no deserto. Não há como duplicar um ser humano. Toda biografia é uma fraude”.
Quando a biografia é, enfim, lançada, todo esse processo de mistura de personalidades atinge o auge. Os papéis se invertem e o biografado começa a estudar a vida do biógrafo, mas seria tirar muito do prazer da leitura antecipar o que acontece. Digo apenas que a ironia passa a ditar a história a partir daí, numa narrativa bastante crativa e original, mas que indica um possível conflito à medida em que o biógrafo começa a receber louros maiores do que o biografado, incorporando para si fatos que pertencem à vida de Bernardo Dopolobo, entre eles o de namorar sua ex-mulher.
A vida de Adolfo Lemoleme acaba se tornando tão interessante quando à de Bernardo Dopolobo, mostrando que mesmo a trajetória das pessoas mais comuns têm o seu valor literário, dependendo de quem a conta e da forma como ela é narrada. O seu interesse em estudar os grandes mestres é uma verdadeira lição de esforço e humildade. Lemoleme, que era carteiro, retardava a entrega dos livros encomendados pelo intelectual local, um farmacêutico, para poder entrar “num universo que o arrebatou de modo intenso e definitivo”. Foi assim que ele descobriu os livros de Bernardo Dopolobo e se envolveu definitivamente na obra e depois na vida do autor.
Outro detalhe interessante na vida de Adolfo Lemoleme é a sua fase como dublador de filmes indianos, quando a sincronia dos lábios dos atores com os do dublador não era lá um detalhe muito importante para o distribuidor. “Às vezes o ator já fechara a boca e a voz ainda soava, deixando sensação igual à de um automóvel que avançasse sozinho, e só depois seguissem as rodas”. Isso sem contar os erros de tradução, como no caso de um personagem que se dizia o próprio sogro. Após a reclamação de Lemoleme, sempre cioso de seu ofício, o distribuidor coça a cabeça, olha o relógio e diz: “Vai assim mesmo”.
São detalhes como estes, singelos e bem-humorados, que dão a leveza deste livro, que trata de um tema porém bem mais denso: a liberdade que uma pessoa tem de entrar na vida de um ídolo e até que ponto a história de uma vida realmente contém a essência da pessoa “investigada”. E é através de Leda, tão querida do público, “a mais pura personagem da galeria de Bernardo Dopolobo”, que este dilema terá seu símbolo máximo e um trágico desenlace.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial